Financiamento e participação feminina são debatidos no primeiro dia do Seminário Reforma Política

Seminário sobre Reforma Política

Começou na tarde desta quinta-feira (23), na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, o Seminário Reforma Política e Eleitoral no Brasil, promovido pela Escola Judiciária Eleitoral (EJE) do TSE e a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). No primeiro painel do evento, o tema abordado foi “Financiamento da Política e das Eleições”.

O seminário foi aberto às 14h pelo diretor da EJE, Fábio Quintas, e pelo coordenador-geral da Abradep, Rodolfo Viana Pereira. Em seguida, a professora de pós-graduação em Direito Eleitoral e membro-fundadora da Abradep Ana Cláudia Santano deu início aos debates. Ela lembrou que o atual sistema de financiamento de campanhas eleitorais não mais permite a doação empresarial, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A mudança também está prevista na Lei nº 13.165/2015.

“Não há dúvidas de que um dos pilares do Direito Eleitoral e político seja o financiamento de campanhas eleitorais. Os problemas detectados nas eleições 2016 não se limitam aos gastos ou à ausência de doações, mas também alcançam o sistema de prestação de contas. O modelo em si possui diversos pontos problemáticos que comprometem a sua eficácia, colocando em cheque os objetivos de todo o sistema de financiamento de campanhas brasileiro”, destacou a professora.

Modelo distrital misto

Segundo palestrante da tarde, o ministro do STF e do TSE Luís Roberto Barroso defendeu que o modelo de financiamento eleitoral adotado pelo Brasil antes da decisão do Supremo “era manifestamente inconstitucional, por não observar requisitos mínimos de decência política e de moralidade administrativa”. “O Supremo fez o que devia fazer. É claro que o dinheiro tem um papel relevante nas sociedades capitalistas contemporâneas, mas o dinheiro não pode estar no centro do sistema e, sobretudo, não pode ser dinheiro desonesto”, afirmou.

Para o ministro, as premissas de uma reforma política devem ser estabelecidos previamente, e, no caso da reforma que está sendo debatida atualmente, esta deve ser feita para alcançar três principais objetivos: baratear o custo das eleições, aumentar a legitimidade democrática e facilitar a governabilidade. “Eu acho que o modelo de financiamento misto [pelo Fundo Partidário e por pessoas físicas] é um bom modelo, e acho que nós devemos aproveitá-lo. Para que ele possa funcionar, é preciso baratear o custo das eleições e incrementar a legitimidade democrática do sistema. Isso funcionará se nós tivermos o voto distrital misto com lista pré-ordenada e sem coligações”, defendeu.

O sistema de votação distrital misto, segundo explicou o ministro, funcionaria da seguinte forma: a Câmara dos Deputados passaria a ter metade dos seus membros eleita pelo voto majoritário no sistema distrital (voto no candidato), e a outra metade seria eleita pelo voto partidário proporcional (voto no partido). Isso significa que o eleitor votaria duas vezes. Luís Roberto Barroso ainda propôs a complementação do sistema com o chamado “modelo alemão”, em que, depois da votação, é feito um ajuste final para que a composição da Câmara reflita efetivamente a proporcionalidade dos partidos.

Outro ponto sugerido pelo ministro é a mudança do atual sistema de votação em lista aberta para o voto em lista pré-ordenada (fechada), mais democrático, em seu entendimento. “A vida demonstra que mais de 90% dos candidatos não são eleitos com votação própria. Portanto, o eleitor pensa que está elegendo quem ele quer. Na verdade, ele está elegendo quem ele não tem a menor ideia. Além do que, no Brasil, ainda se admite a coligação eleitoral em eleições proporcionais, e aí o sistema fica pior ainda. Quem votou pela descriminalização do aborto pode ter eleito um deputado da bancada evangélica”, observou.

Por fim, Luís Roberto Barroso destacou que o país precisa incentivar os cidadãos a voltarem a se interessar pela política e, para tanto, os agentes públicos têm de adotar uma visão de futuro e pela coletividade. “Como é que a representação democrática pode causar esse asco nas pessoas? É porque o sistema funciona muito mal, o sistema é muito ruim. É muito importante nós pensarmos que a vida não é feita para a próxima eleição; a vida é feita para a próxima geração. E, portanto, nós não vamos deixar de aproveitar o momento para criar um sistema possível e ideal porque pode causar algum efeito colateral numa próxima eleição. A gente tem que pensar grande, pensar o país lá na frente”, concluiu.

Recursos públicos

A distribuição e a aplicação dos recursos públicos nas campanhas eleitorais foi outro aspecto tratado pelos debatedores do primeiro painel desta quinta-feira. Para o deputado Marcelo Castro, membro da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, o sistema atual acaba por favorecer quem obtém mais recursos para financiar suas campanhas, ficando a capacidade, o caráter e o histórico dos candidatos em segundo plano. “Quem mais gasta tem mais chance de ser eleito, quem menos gasta tem menos chance. Isso é democracia? É, mas é capenga, é defeituosa. Não é uma democracia saudável”, frisou.

O parlamentar ainda abordou a questão de gênero na política brasileira. “A questão de gênero, que se fala muito, é cultural, histórica, vivemos numa sociedade machista, mas o fator preponderante não é esse [...] é que o dinheiro está concentrado mais na mão dos homens do que das mulheres. A sub-representação das mulheres é uma realidade no mundo inteiro; no Brasil é um escândalo. Nós somos uma vergonha internacional. E o sistema que mais favorece uma maior participação feminina é o de lista pré-ordenada”, salientou.

Ao propor uma série de mudanças no sistema de financiamento eleitoral vigente, o vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao Dino, condenou a prática do Caixa 2 por parte dos partidos e candidatos. “O Caixa 2 é um fenômeno tão nocivo para o processo eleitoral, para o processo democrático, como é a corrupção. É um ‘desvalor’ que precisa ser fortemente e adequadamente respondido na legislação”, advertiu, ao destacar ser fundamental que o Congresso Nacional estabeleça um tipo penal mais específico e rigoroso destinado à responsabilização criminal por essa prática.

Além disso, o procurador defendeu um reforço dos mecanismos de controle da aplicação de recursos públicos oriundos do Fundo Partidário e de responsabilização devida em face de eventual má-aplicação desses recursos. Segundo Dino, a legislação vigente que trata do tema [Lei nº 9.096/1995, art. 32] não tem caráter sancionatório. “Tem que haver consequências mais rigorosas do ponto de vista da indevida aplicação dos recursos do Fundo Partidário. Também é preciso dotar as instituições de controle de condições para que efetivamente exerçam essa tarefa”, completou.

A mesa de debates do primeiro painel também contou com a participação do professor da Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em Ciência Política Bruno Reis, e da jornalista da TV Globo Cristiana Lôbo.

2º painel

No segundo painel do dia foi debatida a participação feminina na política. A mesa contou com a presença da ministra do TSE Luciana Lóssio, da vice-governadora do Piauí Margarete de Castro Coelho, do deputado federal Lúcio Vieira Lima, do jornalista Fernando Rodrigues e da representante da Abradep Polianna Pereira dos Santos.

A representante da associação, a primeira a falar, levou para a discussão alternativas que a entidade considera viáveis para aumentar a presença da mulher na política. Segundo ela, “a principal conclusão é de que a  legislação deveria trabalhar com a ideia de paridade, 50% dos cargos para homens e 50% para as mulheres”.

A vice-governadora do Piauí ressaltou, em sua fala, que “só a letra da lei não tem valido. As mulheres não têm chegado aos cargos de poder. Apenas 15% dos cargos de direção são ocupados por mulheres, dos 35 partidos registrados no TSE apenas três são dirigidos por mulheres. Enquanto não tivermos também nas mesmas proporções das filiadas [45% de mulheres filiadas], nós vamos continuar precisando da cotas”, disse.

Ela demonstrou preocupação sobre a possibilidade da lista fechada passar a ser adotada, com a reforma política. “Se ela não for alternada por gênero, esquece que nós nunca mais vamos sentar no banco das casas legislativas e nem chegar a um cargo do executivo. Imaginem quanto vai custar uma candidatura dessa? É um risco muito grande que a democracia está correndo. Nós vamos mais uma vez participar do jogo sem chance de ganhar”, completou.

A ministra Luciana Lóssio lembrou que o voto feminino no Brasil completou 85 anos, mas destacou que as mulheres não têm muito que comemorar. “Essa data traz uma reflexão do que fizemos durante esse período para chegar a 2017 e termos uma representação tão pequena no parlamento”, ressaltou.

Ela afirmou que o objetivo maior é a paridade de gênero, mas enquanto isso não ocorre é preciso efetivar o mínimo de 30% para a candidatura. “Ela [cota] está na lei das eleições, mas foi feita para não dar certo. A lei dá com uma mão a meta e no outro lado dá os meios, 10% do tempo de rádio e TV e pelo menos 5% do Fundo Partidário. Neste caso, para as mulheres o que é piso vira teto. O que nós vemos é que os 10% e 5% viram o teto, de modo que os partidos não investem nisso. Para onde está indo os 5% destinados ao fomento da participação feminina?”, indagou a ministra fazendo um alerta aos partidos para que cumpram a lei, pois a Justiça Eleitoral está de “olhos abertos”.

A ministra recordou que atualmente só 9,9% da Câmara dos Deputados e 14% do Senado são compostos por mulheres. Ela acredita não ser verdade a afirmação de que as mulheres não querem se candidatar. “Nós mulheres somos praticamente a metade das filiadas, 45%. O que não pode é o partido chegar no ano da eleição, faltando alguns dias, sair atrás de mulheres para fechar o registro das candidaturas. Claro que elas não vão querer ou vão se submeter a ser candidatas laranjas como aconteceu nas eleições 2016”, ressaltou.

Ela disse ter ficado frustrada com o resultado das eleições do ano passado, porque a JE trabalhou intensamente, mas o crescimento foi pequeno. Em 2012, 13,33% mulheres foram eleitas. Esse número cresceu em 2016 para 13,51%. No que se refere as prefeitas, houve uma redução de 11,84%, em 2012, para 11,57% em 2016.

Sobre a lista fechada, a ministra disse ser a favor da alternabilidade. De acordo com ela, os países que adotaram a medida tiveram aumento da representatividade.

Lúcio Vieira Lima, presidente da Comissão Especial que discute a reforma política na Câmara dos Deputados, também participou dos debates e fez considerações sobre os pontos levantados. O parlamentar disse concordar com a paridade de gênero, mas segundo ele o tema é complicado e não seria aprovado agora pelo Congresso.

Para o deputado é preciso lutar, no momento, pelas cotas. Não somente garantir o mínimo de candidatura, mas sim o mínimo de eleitas. “São 513 deputados onde tem 51 mulheres, como é que nós vamos combater? Nós temos que fazer o combate no constrangimento, na sociedade. Temos que defender a cota e colocar em prática”.

A respeito do voto em lista, o deputado disse ainda que a proposta que esta sendo trabalhada é para que a cada três candidatos, um seja mulher.

LC, RC/JP

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