A evolução histórica dos partidos políticos

Art. 17 da Constituição,  Lei Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP (Lei nº 5.682/1971)

Frederico Alvim1

O surgimento dos partidos políticos é um fenômeno social paulatino cuja concepção pode ser identificada a partir dos séculos XVII e XVIII, contemporânea, portanto, ao surgimento do regime democrático representativo. Adota-se aqui a noção de partido em sentido amplo, tal como a assumida por Georges Burdeau2, para quem as agremiações partidárias existem desde que os homens, pela primeira vez, concordaram a respeito de alguma finalidade com projeção social e dos meios necessários para alcançá-la. Por esse critério, seria possível vislumbrar o princípio do fenômeno partidário nas atividades de tories (conservadores)e whigs (liberais), por ocasião da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, 1688; de federalistas e republicanos, nos Estados Unidos pós-independência; ou, ainda, de jacobinos e girondinos, no levante revolucionário francês.

Em análise mais rigorosa, porém, o fortalecimento e a expansão da atividade partidária somente ocorreram em meados do século XIX, a partir de quando os grupos políticos evoluíram para a adoção de formas e estruturas mais estáveis, definidas e profissionalizadas. Tal evolução foi impulsionada pela Revolução Industrial, cujos reflexos produziram no operariado “o sentimento e a necessidade de organizar-se enquanto classe, com o objetivo de combater a burguesia”3.

Deriva daí a conclusão de que, até o século XIX, não existiam, propriamente, partidos, mas apenas grupos políticos ou facções4.O aparecimento dos partidos, em noção apurada, identifica-se, portanto, com o momento em que a atuação partidária superou o modelo de atuação ocasional e precária, parlamentar ou eletiva, para, fora das assembleias, assumir uma forma de mobilização política institucionalizada, burocraticamente estruturada e duradoura, o que melhor pode ser visto na exposição de Farias Neto:

 

A princípio, os partidos foram organizações puramente eleitorais, cuja função essencial consistia em assegurar o êxito de seus candidatos. Nesse contexto, a eleição era o fim e o partido era o meio. Depois, o partido desenvolveu funções próprias como organização capacitada para a ação direta e sistemática sobre a atividade política, colocando a eleição a serviço da propaganda partidária5.

 

Em sua visão, a situação hoje é inversa: as eleições é que se prestam a garantir o crescimento das agremiações, de sorte que “o partido ficou sendo o fim, e a eleição ficou sendo o meio”6.

Antes disso, entretanto, durante largo período, as agremiações partidárias sobreviveram sem que houvesse um tratamento jurídico que as regulasse. Eduardo Sánchez explica que, à época, se considerava que sua constituição e suas atividades pertenciam à esfera privada e se aceitava que não tinham relação alguma com as instituições estatais7.

Superada essa fase, seguiu-se um estágio conturbado, caracterizado por uma legislação de propósitos restritivos, com a imposição de condições bastante específicas para o funcionamento dos partidos, havendo em vários casos proibições explícitas, geralmente dirigidas às agremiações de orientação marxista8.

A última etapa do evolucionismo partidário, portanto, viria com o seu reconhecimento institucional, ocorrido após o término da Segunda Guerra Mundial. Na visão de Karl Lowenstein9, nesse momento, quando já não se podia ignorar por mais tempo a importância das agremiações partidárias na vida democrática constitucional, o tabu se rompeu, e a temática partidária afinal surgiu nos textos das mais diversas constituições.

Hoje, os partidos políticos aparecem como elementos indispensáveis à sobrevivência dos regimes democráticos modernos. Como pregava Darcy Azambuja, os defeitos dos partidos são, em verdade, defeitos dos homens. O que cumpre é seguir corrigindo-os, para que em marcos saudáveis se possa mantê-los10. Apesar de suas falhas, não há como negar que os partidos políticos constituem peças fundamentais na mecânica da democracia: onde quer que sucumbam, cede consigo a engrenagem do governo popular.

 

1 Especialista em Direito e Processo Eleitoral, pós-graduando em Poder Judiciário com ênfase em Direito Eleitoral, pós-graduando em Direito Eleitoral, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais (com orientação em Direito Eleitoral). Analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso. Professor de Direito Eleitoral.

2 Apud LÓPEZ, M. J., Partidos políticos: teoría geral y régimen legal. Buenos Aires: Depalma, 1983, p. 9.

3 VIEIRA, R. S. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia político-partidária. Criciúma: Unesc, 2010, p. 32.

4 AZAMBUJA, D. Introdução à ciência política. 2. ed. São Paulo: Globo, 2011, p. 345.

5 FARIAS NETO, P. S. Ciência política: enfoque integral avançado. São Paulo: Atlas, 2011, p. 178.

6 Fundamentando sua posição, o autor continua: “No passado, os partidos não apresentavam candidatos nas circunscrições em que não tinham possibilidade de êxito eleitoral. No presente, como prática corrente, os partidos apresentam candidatos, sistematicamente, em todas as circunscrições. Dessa forma, a campanha eleitoral assume certo caráter demonstrativo, em que o enfoque prevalecente consiste em tornar o partido mais conhecido, independentemente do desempenho eleitoral”. Ibidem, p. 178-179.

7 SÁNCHEZ, E. A. Derecho electoral. Ciudad de México: Oxford, 2010, p. 133.

8 As fases de ausência de tratamento e de perseguição são chamadas por Eduardo Sánchez, respectivamente, de conspiração do silêncio e conspiração da manipulação institucional. Ibidem, p. 134.

9 Apud RUIZ, J. F. Tratado de derecho electoral. Ciudad de México: Porrúa, 2010, p. 248.

10 AZAMBUJA, D. Introdução à ciência política. 2. ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 349-350.