Tema complementar

Marco Aurélio Neto*

 

O nosso mundo está cada dia mais complexo. As coisas vêm e vão com uma velocidade espantosa. Nunca tantas pessoas viveram ao mesmo tempo e também nunca estivemos tão interligados. Esta conjectura nos causa enorme perplexidade. Muitas vezes não sabemos como devemos proceder e a quem devemos recorrer. A ética é uma das soluções para os nossos problemas.

Desde os primórdios, a questão ética é fundamental para a humanidade. Vários estudos e sistemas foram construídos para aprofundar o conhecimento da ética.

Quem inicialmente tratou a questão de forma sistematizada foram os filósofos gregos, principalmente Platão e Aristóteles. Platão entendia a ética como uma qualidade do sábio, pois apenas pelo conhecimento se chega à razão e ao controle das iras e desejos. Já para Aristóteles a principal função da ética está em delimitar o bom e o ruim para o homem.

Na Idade Média, com a predominância do cristianismo, a ética passa a ser entendida como um ato de fé, pois como o ser humano é fraco e tentado a cometer erros deve ser educado para agir eticamente, seguindo os princípios estabelecidos pelos dez mandamentos e em concordância com Deus. Assim, todos os homens seriam felizes e teriam uma vida plena.

Na Modernidade, surgem pensadores como Maquiavel e Hobbes, que modificam completamente a visão sobre a ética. Para Maquiavel, os fins justificam os meios e ele estabelece, ainda, que os valores não são necessariamente bons, pois dependem da situação social na qual são aplicados. Já para Hobbes, o homem é essencialmente mau, daí sua célebre frase “o homem é o lobo do homem”, e necessita de um sistema coercitivo que anule seus impulsos destrutivos. Logo, a ética teria como finalidade o controle e o policiamento dos homens.

Talvez o mais importante filósofo que discorre sobra ética seja Kant. Para ele, qualquer valor ético deve ser determinado a respeito de um dever universal e não por tendência ou predileção a certos valores, ou seja, a ética deve ser aplicável a todos os seres humanos, sem qualquer exceção.

No momento atual, os filósofos colocam a ética em um plano reflexivo sobre os valores morais. Sartre, um dos expoentes da filosofia contemporânea, não se cansa de acentuar que a noção de liberdade originária envolve uma responsabilidade radical e que a solidão em que é feita a escolha não isenta o sujeito do compromisso com a universalidade, isto é, com os outros.

Vimos que várias são as concepções de ética, contudo, o que nos interessa é o viver eticamente. Todas as abordagens têm como finalidade transplantar a concepção teórica para a vida prática do ser humano. Esse é o nosso grande desafio.

Um dos entraves para a vivência ética é a sua relativização, que é baseada na ausência de padrões absolutos. Para esse chamado ‘relativismo ético’, qualquer comportamento depende da situação, cultura, sentimentos, etc.

O relativismo está em voga no momento atual e é usado para justificar ou permitir certas ações, nunca para condená-las.

Todos nós já vivenciamos tal forma de raciocínio quando, por exemplo, escutamos alguém falando que recebeu um valor a mais de troco e não devolveu alegando que o valor era irrisório ou que a empresa era muito rica e não faria falta.

Esse comportamento não pode ser referendado, pois a ética é pautada por princípios e valores que sempre são, por definição, absolutos. Não comportam modulação, pois valem por si mesmos e não comportam apreciação subjetiva.

Ainda mais, se não existissem princípios e valores absolutos e se tudo fosse relativizado, então matar alguém seria tão certo quanto não matar ninguém. Roubar seria tão certo quanto não roubar. Imaginemos a que resultados poderíamos chegar: caos total, pois cada um faria o que seria certo do seu ponto de vista e se não houvesse nenhum padrão de  certo ou errado ao qual todos estivessem sujeitos, então nunca poderíamos ter certeza de nada. As pessoas seriam livres para fazer o que quisessem – assassinar, estuprar, mentir, trapacear, etc. – e ninguém poderia dizer que tais coisas seriam erradas. Parafraseando Dostoievski, “se não existem princípios e valores absolutos, tudo é permitido”.

Temos que ter como referência um padrão ético o qual todos possam seguir e que, acima de tudo, observe o bem comum. Os preceitos éticos devem reger tudo que esteja relacionado ao comportamento do ser humano em seu meio social.

Além disso, todo ser humano é dotado de um sistema ético, que o permite distinguir, por exemplo, entre certo ou errado, bom ou ruim, justo ou injusto, enfim, cada um de nós é plenamente capaz de avaliar suas ações e viver de acordo com os preceitos éticos.

Logo, os preceitos éticos não dependem das preferências individuais, mas mantêm sua forma de realidade além de toda apreciação e valoração, pois valem para qualquer pessoa e em qualquer situação.

Sendo assim, o nosso comportamento deve ser sempre pautado pelo agir ético, pois as nossas ações refletem as ações coletivas e devem buscar sempre o bem comum, afinal o bem agir traz benefícios a todos e a cada um de nós.

Essa concepção avança a passos largos. Num mundo globalizado, temos que entender que o nosso agir reflete na coletividade e a ética desempenha um papel crucial nesse contexto, pois somente o cumprimento das leis não basta, a coletividade exige que todos tenhamos um comportamento ético.

Logo, quando violamos uma lei, somos passíveis de prisão, multa ou qualquer outra sanção do Estado, mas quando transgredimos um preceito ético essa ameaça não existe.

Contudo, quando transgredimos um preceito ético, somos passíveis de responsabilização, que se baseia no papel de cada um de nós no corpo social, ou seja, cada um e todos nós somos responsáveis pelo mundo que vivemos.

A responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo é indissociável daquela que se deve ter em relação a todos os demais, pois vivemos no mesmo ambiente coletivo.

Paulo, em sua primeira epístola aos Coríntios, dizia “tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”, logo temos que discernir os caminhos éticos a serem seguidos no nosso cotidiano. Não podemos nos deixar alienar. Temos de ter sempre em mente que somos donos do nosso destino e é imprescindível que sigamos a nossa consciência, pois cada ação que realizamos repercute por toda a nossa vida.

 

 

* Graduado em Filosofia e em Direito, pós-graduado em Ciência da Religião e em Direito, Estado e Constituição. Analista Judiciário do Tribunal Superior Eleitoral.

O termo cidadania tem origem etimologicamente no latim civitas, que significa cidade. Estabelece um estatuto de pertencimento de uma pessoa a uma sociedade politicamente articulada, um país, por exemplo, que lhe atribui direitos e obrigações.

A cidadania se desdobra em dois eixos principais: direitos e obrigações.

Por isso, muitos confundem a cidadania como conquista de direitos, ou seja, ser cidadão é ter direito à educação básica, à saúde, ao transporte coletivo, à previdência, ao lazer, etc.

Além disso, estamos há muito tempo lutando por nossos direitos e ainda não conseguimos ter nossa cidadania respeitada plenamente, vide nossos hospitais públicos, trânsito, etc.

A explicação para isso é consequência direta do descumprimento do outro eixo da cidadania: as nossas obrigações.

A conquista dos direitos é uma bandeira que não podemos abandonar, temos que continuar lutando por eles, mas temos que primeiramente cumprir nossas obrigações, já que a construção da cidadania é baseada no nosso comportamento diário.

Quando cada integrante do corpo social cumpre com as suas obrigações, consequentemente todos têm seus direitos assegurados.

Logo, a busca pela cidadania passa pelo cumprimento das nossas obrigações, pois sem isso cada vez mais fica difícil a luta por nossos direitos.

Num famoso discurso, o presidente americano Kennedy explicita “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”.

Logo, temos que avançar na nossa busca por cumprir nossas obrigações como cidadãos. Muitas vezes nos esquecemos que o nosso agir serve de exemplo e é o balizador da ação de muitas pessoas que nos enxergam como exemplos.

Temos que ter em mente que a ação de cada um de nós é que forma a coletividade; não o contrário. Assim, a ação individual é o que conta e que forma a ação conjunta. Então, não podemos nos esconder atrás do outro e da sociedade. Nosso comportamento cidadão tem que ser multiplicado, nossa cidadania não pode ser aquartelada.

Temos que sempre pensar na cidadania ativa, ou seja, temos que nos sentir parte de um país, querer o melhor para a sociedade. Ter a consciência que o empenho para construir um país melhor faz parte de uma ação coletiva, mas tem a força motriz na ação individual, da ação concreta dos indivíduos, pois, se cada um de nós fizer a sua parte, o coletivo consegue avançar.

Existe, ainda, muita diferença entre ser brasileiro e ser cidadão brasileiro. Os brasileiros assistem impassíveis ao destino da nação, já os cidadãos brasileiros participam ativamente da construção de um país melhor.

Desta maneira, temos que exercer plenamente a nossa cidadania, que vai desde os pequenos atos, como não jogar papel
no chão, até os grandes atos, ao participar ativamente do processo político-eleitoral.

Muitas vezes somos ardorosos nas críticas, mas ocupados demais para assumir as responsabilidades de ser cidadão. E assumir responsabilidade é essencial para a constituição da cidadania.

Além disso, muitas vezes desanimamos, fruto das muitas notícias negativas com que somos bombardeados, mas como dizia São Francisco de Assis “comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o que é impossível”.