Julgados de destaque sobre doação de recursos para campanha eleitoral

Tiago de Melo Euzébio1

 

Um dos meios de participação no processo democrático das eleições é a realização de doações aos partidos políticos e candidatos que disputarão o pleito popular. Dentre os legitimados para realizarem essas doações, estão as pessoas físicas e jurídicas.

As doações devem respeitar limites estabelecidos pela legislação eleitoral: para as pessoas físicas, o limite restringe-se a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição; para as pessoas jurídicas, a 2% do faturamento bruto auferido no ano anterior à eleição.

A matéria é regulamentada pela Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) e pelas resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), especialmente quanto à arrecadação desses recursos, à utilização do montante e à prestação de contas à Justiça Eleitoral.

As irregularidades cometidas na doação de recursos para campanha eleitoral poderão acarretar consequências aos doadores e ao receptor dos recursos.

A doação acima dos limites legais sujeita o infrator ao pagamento de multa e à incidência em causa de inelegibilidade. A pessoa jurídica, dependendo da gravidade da infração, fica sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público.

Por sua vez, a recepção de doações tidas como ilegais poderá configurar abuso de poder econômico ou político, bem como captação e gastos ilícitos de recursos em campanha eleitoral, a depender de outras circunstâncias do caso concreto.

Nesse campo, algumas decisões do TSE merecem destaque:

 1. Ac.-TSE, de 6.5.2010, no REspe nº 36.552, redator designado Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira: Quanto ao estabelecimento do prazo de 180 dias para propositura de representação (no mesmo sentido: Ac.-TSE, de 6.9.2012, no AgR-REspe nº 8.828 e Ac.-TSE, de 27.3.2014, no AgR-REspe nº 54.915).

No julgamento desse processo, fixou-se o prazo de 180 dias para o ajuizamento das representações que visem apurar as irregularidades nas doações para campanha, contados a partir da diplomação dos eleitos, adotando como parâmetro o período em que os partidos e os candidatos devem conservar a documentação referente a suas contas, como previsto no art. 32 da Lei nº 9.504/1997.

2. Ac.-TSE, de 28.10.2010, no RO nº 148.584, rel. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira: Quanto à indispensabilidade de a ação que condena o representado por doação eleitoral irregular seguir o rito do art. 22 da LC 64/1990 para se configurar a causa de inelegibilidade da alínea p do inciso I do art. 1º da mesma lei (no mesmo sentido: Ac-TSE, de 28.2.2013, no AgR-REspe nº 94.681 e Ac.-TSE, de 16.9.2014, no RO nº 53.430).

As representações previstas na Lei nº 9.504/1997 seguem ora o rito célere e simplificado do art. 96 desse diploma legal, ora o rito do art. 22 da LC nº 64/1990, com trâmite mais extenso, que permite a ampla defesa e o contraditório elastecidos. No que toca às representações por doação acima do limite legal por pessoas jurídicas, observa-se o rito do art. 22 da LC nº 64/1990, conforme dispõe expressamente o art. 81, § 4º, da Lei das Eleições. Já no que se refere à representação para apurar doações acima do limite legal de pessoas físicas, verifica-se que a Lei Eleitoral é silente quanto ao seu rito. Diante dessa omissão, aplicar-se-ia o rito do art. 96 da Lei nº 9.504/1995. Contudo, registra-se que o art. 1º, I, p, da LC nº 64/1990 estabelece como causa de inelegibilidade a condenação por doação tida como ilegal que tenha observado o rito do art. 22 dessa lei. Assim, as representações por doação acima do limite legal de pessoas físicas que pretendam gerar o reconhecimento de uma causa de inelegibilidade em futuro registro de candidatura deverão seguir o rito mais abrangente do
art. 22 da LC nº 64/1990.

3. Ac.-TSE, de 9.6.2011, na Rp nº 98.140, rel. Fátima Nancy Andrighi: Quanto à competência para processar e julgar a representação por doação de recursos acima do limite legal ser do juízo eleitoral do domicílio civil do doador (no mesmo sentido: Ac.-TSE, de 2.5.2013, no AgR-AI nº 52.019 e Ac.-TSE, de 23.5.2013, no CC nº 5.610).

A fixação da competência para o julgamento de representação por doação acima do limite legal costumava vincular-se ao candidato donatário da doação, definindo-se entre o juiz eleitoral, nas eleições municipais; o tribunal regional eleitoral, nas eleições estaduais e federais; e o TSE, nas eleições presidenciais. Entretanto, em questão de ordem, na representação acima mencionada, assentou-se que a competência seria do juízo eleitoral do domicílio do doador, desligando-se do receptor da doação.

4. Ac.-TSE, de 20.3.2012, no REspe nº 183.569, rel. Arnaldo Versiani Leite Soares: Quanto ao limite de doação para campanha eleitoral de pessoa física casada sob regime de comunhão universal de bens ser calculado sobre o faturamento do casal (no mesmo sentido: Ac.-TSE, de 27.2.2014, no AgR-AI nº 3.623).

O TSE julgou ser possível considerar o rendimento bruto dos cônjuges, cujo regime de casamento seja o da comunhão universal de bens, para fins de aferição do limite de doação por pessoas físicas para campanha eleitoral.

5. Ac.-TSE, de 1º.4.2014, no REspe 33.379, rel. Henrique Neves da Silva: Quanto à doação por empresa individual observar os limites impostos às pessoas físicas (no mesmo sentido: Ac.-TSE, de 26.8.2014, no REspe nº 48.781).

Na empresa individual ou firma individual, a própria pessoa física ou natural responde com os seus bens pelas obrigações que assumir. Dessa forma, como os patrimônios se confundem, o TSE entendeu aplicar-lhes os limites da pessoa física (10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição) para as doações de campanha eleitoral realizadas por empresa ou firma individual.

6. Ac.-TSE, de 16.8.2014, no REspe nº 59.116, rel. Henrique Neves da Silva: Quanto ao não enquadramento da doação  eleitoral entre ascendente para descendente como prestação de alimentos ou adiantamento da herança.

Nesse caso, o TSE entendeu que, na seara eleitoral, o instituto de Direito Civil denominado adiantamento de legítima e o princípio da solidariedade familiar não são capazes de afastar a incidência da norma que regula a doação de recursos para campanha. Portanto, as doações para campanha eleitoral entre ascendentes e descendentes devem observar os limites impostos pela Lei Eleitoral.

7. Ac.-TSE, de 16.9.2014, no RO 53.430, rel. Henrique Neves da Silva: Quanto às doações eleitorais tidas por ilegais serem as capazes de afetar a normalidade e legitimidade do pleito, bem como configurarem abuso de poder econômico ou político.

Nem toda decisão que comprove doação ilegal para campanha eleitoral terá o condão de justificar a incidência da causa de inelegibilidade prevista na LC nº 64/1990, art. 1º, I, p. Somente as doações consideradas ilegais que afetem a normalidade e legitimidade do pleito, bem como as que possam configurar abuso de poder econômico ou político, serão capazes de gerar inelegibilidade.


Essas decisões do TSE auxiliam na interpretação e no preenchimento das lacunas quanto ao tema das doações para campanhas eleitorais.



1 Analista judiciário do TSE, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP e especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas/Brasília.