2º título eleitoral - 1890

Decreto nº 200-A – 08 02 1890
'Regulamento Lobo'

O último decênio do século XIX foi sobremodo dificultoso para o Brasil. O regime republicano, instaurado por intermédio de um golpe militar em novembro de 1889, desgastou-se velozmente por si mesmo, diante da incapacidade de promover a estabilidade política e econômica do país.

Conquanto se inspirassem - mesmo remotamente - na Revolução Francesa, os republicanos não advogaram, após algum tempo à frente do poder, a defesa das mudanças necessárias da estrutura socioeconômica nacional, com vistas à modernização e conseqüente incorporação de grande parte da população, como os libertos, por exemplo.

Crises de diferente intensidade e âmbito desdobraram-se de maneira praticamente contínua nas duas primeiras gestões presidenciais, de matiz militar. Apenas na administração de Prudente de Morais, a primeira civil, a sociedade brasileira enxergaria o arrefecer dos conflitos políticos, especialmente no Rio Grande do Sul, e o minorar dos transtornos econômicos.

Diante da relativa imperturbabilidade do período imperial, a partir do Segundo Reinado, o contraponto republicano significou, após os seus primeiros anos, instabilidade. Desta forma, os anti-republicanos afirmavam que o Brasil havia-se realmente aproximado mais da América do Sul, não apenas por causa da semelhança de regime, mas sim em vista do compartilhamento de crises políticas, materializadas em fechamento do Congresso, sedições, pronunciamentos, quarteladas etc.

No plano diplomático, novembro de 1889 não simbolizou ruptura. As principais potências mantiveram, ainda que de início de forma oficiosa, o relacionamento com o Brasil. Em 1891, Estados Unidos, Argentina, Grã-Bretanha, França, Espanha e Itália já haviam reconhecido o novo governo. Após o falecimento de Dom Pedro II, em dezembro de 1891, a Rússia, a mais conservadora das monarquias européias, entabularia negociações para o restabelecimento oficial das relações.

O sistema republicano, apesar da facilidade com que foi implementado, não dispunha de uma estruturação comum entre os seus partidários em todo o país. Em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, os seus defensores posicionavam-se a favor de maior autonomia estadual, ou seja, do federalismo. No Exército, os seus simpatizantes, por influência do positivismo, almejavam a centralização, a partir do Rio de Janeiro. Enfim, os vencedores precisariam aparar suas divergências internas, de sorte que pudessem ter um norte no plano administrativo.

No entanto, tal indefinição entre os principais artífices ou grupos contribuiu para a intranqüilidade com relação ao destino do país. O melhor modo de encaminhamento para definir qual republica teria o Brasil seria, portanto, a convocação de uma assembléia constituinte – a nova carta constitucional viria à lume em fevereiro de 1891.

De toda maneira, com o advento do novel regime, alterações administrativas importantes foram efetivadas como o fim do Poder Moderador e do Conselho de Estado e a modificação do Poder Legislativo, ao encerrar-se a vitaliciedade do mandato senatorial – porém, a Câmara dos Deputados foi simplesmente dissolvida. À primeira vista, arejar-se-ia, em alguns aspectos, a estrutura política nacional e acenar-se-ia para a participação maior da classe média urbana.

De fato, as instituições monárquicas estavam desatualizadas, enrijecidas havia tempos, de forma que as primeiras modificações não haviam sido frutos do improviso, mas materializações de anseios expressos pela militância republicana, em especial da do Sudeste. Contudo, como anteriormente mencionado, após o primeiro momento, reformas mais profundas não prosperariam.

O Brasil daquele período contava com uma população em torno de 14 milhões e uma infra-estrutura notadamente insuficiente para o seu porte continental: dois portos, uma usina elétrica, dez mil quilômetros de ferrovias e oito mil escolas apenas. Enquanto boa parte do Ocidente – no eixo norte-atlântico - industrializava-se, mesmo sob ritmo distinto, o país especializava-se no fornecimento de matérias-primas, principalmente no setor alimentício.

De afogadilho, o Governo Provisório, a fim de emular o processo de industrialização dos países euro-americanos, aplicou duas medidas: elevação dos impostos de importação para produtos fabricados em território nacional e emissão em escala desmedida de papel-moeda tendo por bases três locais: Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Esta última medida desencadearia o aumento da inflação e da especulação com ações de novas empresas. Seria o encilhamento.

No plano administrativo, fazia-se necessário institucionalizar o sistema vigente, de sorte que o Governo Provisório da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil seria expedito na elaboração e promulgação de decretos, o que justificaria, de quando em quando, a existência de letras após a numeração em decretos, por eventuais ausências de conferências na ordem da publicação.

Nesse sentido, assinou-se, no inicio de fevereiro de 1890, o Decreto 200-A, relativo à legislação eleitoral – por ser matéria afeta ao Ministério do Interior, sob titularidade de Aristides da Silveira Lobo, o documento seria conhecido como Regulamento Lobo.

Por meio dele, instituiu-se que os cidadãos alfabetizados com mais de comprovadamente 21 anos – exclusos os casados, oficiais militares, bacharéis, doutores e clérigos de ordens sacras - poderiam votar e serem votados.

Anteriormente, o Decreto 6, de 19 de novembro de 1889, havia instituído que todos os cidadãos alfabetizados eram considerados eleitores. As mulheres não podiam votar. Extinguiu-se, no entanto, o voto censitário, isto é, solicitante de uma renda líquida mínima anual.

A qualificação dos eleitores era preparada por comissões com três membros nos distritos, tendo por presidente o juiz de paz mais votado naquela circunscrição, e organizada por comissões municipais, compostas também por três membros, sendo o presidente o juiz municipal do termo – seus trabalhos iniciavam-se dez dias depois do encerramento dos das comissões distritais.

No referido decreto, estipulou-se que os eleitores para votar teriam consigo um título eleitoral, ainda que fosse o antigo, baseado no Decreto 3029, de janeiro de 1881. Ao aceitar-se a validade da inscrição pela legislação da época imperial, ocorreria no processo eleitoral daquele período uma situação incomum:

Os analfabetos, alistados na década anterior, sob vigência da monarquia, estariam autorizados a participar do sufrágio, ao passo que os do período republicano, não. Em 9 de agosto de 1890, o Decreto 648 reiteraria o direito de voto dos qualificados pelo diploma de janeiro de 1881. Para tanto, bastaria apresentar diante da mesa eleitoral do distrito de paz ou seção o título.

O documento tinha em si o estado, comarca, município, distrito de paz e quarteirão do eleitor. Além do mais, informava o nome do eleitor, idade, filiação, estado, profissão, domicilio e o número e data do alistamento.

Os banidos - como, por exemplo, o ex-imperador Pedro II e o Visconde de Ouro Preto, último presidente do Conselho de Ministros - e deportados por decretos do Governo Provisório não podiam ser qualificados. À medida que o regime republicano se impunha, não obstante os desgastes administrativos, vários banimentos seriam revogados.

Apesar da ampliação formal na participação do processo eleitoral, os setores tradicionalmente alijados - pertencentes às camadas médias urbanas e trabalhadoras rurais - somente se organizariam de maneira mais consistente nos primeiros anos do século XX, de modo que a primeira década republicana ainda teria uma vida política restrita.

Referência

2º título eleitoral - 1890. In: ARRAES, Virgílio Caixeta. Títulos eleitorais: 1881-2008 . Brasília: Tribunal Superior Eleitoral; Secretaria de Gestão da Informação, 2009. (Série Apontamentos, 2), p. 15 - 19.

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