5º título eleitoral - 1932

Decreto 21.076 – 24 02 1932
Código Eleitoral

No final da década de 1920, após pouco mais de 40 anos de regime republicano, o Brasil sofreu uma ruptura institucional com conseqüências duradouras para a sua vida político-econômica. Em outubro de 1930, teria fim a Primeira República ou República Velha, com a deposição do Presidente Washington Luís por uma junta militar – dois generais e um almirante –, num golpe de Estado desencadeado no início daquele mês, a partir do Rio Grande do Sul.

Sem sustentação política, o tripleto castrense passou o cetro do poder no começo de novembro a Getúlio Vargas, designado chefe do Governo Provisório – ele havia sido o candidato derrotado à Presidência em março daquele ano em nome da Aliança Liberal, ex-Presidente do Rio Grande do Sul (1928-1930) e ex-Ministro da Fazenda (1926-1927) na gestão do próprio Washington Luís.

Na nova composição de forças à frente do Catete, predominou a heterogeneidade: elites de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraíba, filiados do Partido Democrático – dissidência do Partido Republicano Paulista – e oficiais de baixa patente – remanescentes do movimento tenentista do início da década de 1920, em cujas manifestações houve apoio da classe média urbana, inconformada com o enrijecimento e conseqüente envelhecimento do processo político brasileiro. De certa forma, todos estiveram, em maior ou menor grau, associados à Aliança Liberal.

O grupo triunfante aspirava formalmente à representação e justiça, ou seja, posicionava-se a favor da transparência nas eleições e na administração pública. O federalismo era criticado por seu caráter oligárquico, segundo o grupo – daí a defesa da centralização por meio da qual se poria fim à Política dos Governadores e à do Café-com-Leite, mas sem encerrar de todo o poder das elites estaduais.

A participação popular foi novamente pequena e as camadas sociais menos favorecidas não influenciaram diretamente o jogo de forças naquele período. Contudo, saliente-se que, no pleito presidencial de março de 1930, a oposição havia incorporado ao seu programa determinadas reivindicações dos trabalhadores urbanos. Assim, observa-se que o movimento vitorioso era reformador, não revolucionário.

No plano político, a crise desencadeante da movimentação dos remanescentes da Aliança Liberal com os antigos tenentistas ocorreu quando o Presidente Washington Luís decidiu lançar para a sua sucessão o presidente de São Paulo, Júlio Prestes. Desta maneira, seria rompido o pacto do Café-com-Leite, dado que a vez seria de Minas Gerais, com Antônio Carlos de Andrada, presidente do estado. Descontente, a elite mineira apoiaria o lançamento de uma chapa encabeçada por Rio Grande do Sul e Paraíba.

Do programa oposicionista, extraem-se claramente medidas reformadoras, ainda que não estruturais. Nesse sentido, a Aliança Liberal desejou alterar o setor trabalhista, para atender o setor operário, e o eleitoral, para contentar os tenentes.

Das propostas, destacaram-se a regulamentação da jornada diária de trabalho; a fixação de um salário mínimo urbano; a instauração de mecanismos de proteção para mulheres e crianças; a instituição do voto secreto; a representação proporcional; o estabelecimento da Justiça Eleitoral e a extensão do voto para o sexo feminino. Haveria investimentos na área de educação, inclusive no ensino superior, com a implementação de um ministério específico para o assunto.

O movimento de outubro de 1930 – ainda que equivocadamente chamado de revolução, dado que teve mais características de revolta – talvez tenha sido o episódio político mais importante da história pátria desde a sua independência em setembro de 1822, por ter, de certo modo, originado alterações político-econômicas significativas.

Ressalte-se que, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, havia um descompasso entre a política e a economia no país, devido ao crescimento de outros segmentos sociais, como o operariado, por exemplo. O modelo desenvolvido ainda na gestão do Presidente Campos Sales – a Política dos Governadores – não satisfazia mais nem parte das elites nacionais.

Desta maneira, suscitadas a partir de três estados – Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba –, as operações militares com vistas a derrubar o Presidente Washington Luís espalharam-se celeremente pelas regiões Sul e Nordeste. Em São Paulo e Rio de Janeiro, onde, em tese, haveria maior resistência, o alto oficialato inclinar-se-ia pela deposição presidencial.

Da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, seguida da Revolução Soviética, em 1917, até a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, todos os acontecimentos internacionais influíram sobremodo no cotidiano nacional.

O confronto de 1914 a 1918 influenciou a queda dos preços do café; a vaga revolucionária do leste europeu de 1917 impulsionou a organização trabalhista em todo o Ocidente, mesmo indiretamente – nesse sentido, seria formado o Partido Comunista Brasileiro em 1922 –; a Grande Depressão, iniciada em 1929, ampliou os problemas econômicos do Brasil, por causa dos efeitos sobre as economias agroexportadoras. No caso do café, em vista da produção crescente, o impacto seria atordoante.

Na política brasileira, além das manifestações operárias, especialmente na região Sudeste, duas movimentações sobressaem nos anos 1920, expressando a insatisfação de parte dos militares com o regime republicano daquela época: em 1922, jovens oficiais revoltam-se no Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde, haveria nova sublevação, agora em São Paulo. Em breve, os insurgentes paulistas e gaúchos uniriam suas forças e percorreriam boa parte do país, sendo perseguidos pelo Exército.

No fim, em 1927, eles iriam para a Bolívia e passariam a ser conhecidos como Coluna Miguel Costa-Prestes, em alusão ao capitão do Exército Luís Carlos Prestes e ao major da Força Pública de São Paulo Miguel Costa, que depois seguiria para a Argentina. De toda forma, os participantes do movimento ficariam conhecidos como tenentistas, em referência à patente da maioria dos oficiais envolvidos.

No poder, o Governo Provisório, com o objetivo de aplainar a crise econômica e política, tomou as seguintes decisões: fechou o Congresso e os legislativos estaduais; destituiu os presidentes de estado, substituindo-os por interventores, quase todos antigos tenentistas; criou conselhos técnicos para planejar e fiscalizar os setores produtivos – e, eventualmente, neles intervir; e estimulou o processo de industrialização. Mais adiante, o governo firmaria a representação classista no Congresso – mencionada no Código Eleitoral, no art. 142 do Decreto nº 21.076, de fevereiro de 1932, e regulamentada pelo Decreto nº 22.653, de 20 de abril de 1933 – ; fortaleceria as Forças Armadas em detrimento das forças ou brigadas públicas estaduais; e, por fim, estabeleceria, entre 1931 e 1941, institutos ou departamentos dedicados a produtos do setor agrícola como cacau, pinho, mate, álcool e açúcar e café, dentre outros.

Essas medidas levaram a uma centralização maior do Executivo Federal e a oligarquia de São Paulo seria a mais prejudicada com o feitio paradoxalmente anti-liberal da nova administração. Tornou-se, assim, necessário que ela se articulasse com as elites dominantes de outros estados, visto que, isolada, não teria condições de reavivar a antiga estrutura administrativa.

A crise de 1929 afetou bastante, conforme citado, a economia brasileira, com reflexos imediatos no setor cafeicultor, já debilitado havia anos. Um dos efeitos da depressão mundial foi a diminuição de investimentos externos diretos e a ampliação das remessas de lucros, de sorte que a situação do balanço de pagamentos deteriorou-se. A população brasileira havia ultrapassado, naquela altura, a barreira dos 37 milhões e quinhentos mil habitantes.

Além do mais, o preço dos produtos primários declinaria como um todo no mercado global. Dessa vez, no entanto, não houve novos empréstimos governamentais para manter artificialmente a cotação do café para os seus produtores, dado que as reservas monetárias do país haviam diminuído bastante. Como conseqüência, o Governo Provisório desvalorizaria a moeda e suspenderia temporariamente o pagamento da dívida externa.

Não obstante a gravidade da crise, os setores agroexportadores solicitaram do Governo Provisório auxílio variado, por intermédio de novos empréstimos, incentivos ao consumo via propaganda e, por último, aquisição de estoques, com o fito de equilibrar os preços. Entrementes, a economia brasileira já se adaptava às restrições internacionais, por causa das dificuldades de exportar, e se voltava gradativamente para atender em maior escala o mercado interno.

Na política externa, o Governo Provisório foi reconhecido pelos demais países sem dificuldade, dado que se havia comprometido em subscrever todos os contratos internacionais firmados ao longo da Primeira República. A prioridade da diplomacia brasileira era a economia, de maneira que seriam assinados, a partir de julho de 1931, vários tratados nos quais o país constava como a nação mais favorecida. O objetivo imediato dos acordos era recuperar a capacidade exportadora do Brasil.

Um outro importante item do programa de campanha da Aliança Liberal havia sido a realização de uma reforma eleitoral, em decorrência das queixas constantes, ao longo de toda a Primeira República, quanto a vícios nas votações. Destarte, em fevereiro de 1932, o Governo Provisório expediu o Código Eleitoral.

De acordo com as novas regras, o eleitor era, indistintamente do sexo, o cidadão com mais de 21 anos. No entanto, mendigos, analfabetos e praças de pré – excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior – não podiam alistar-se. Homens com mais de sessenta anos e mulheres de qualquer idade podiam isentar-se das obrigações eleitorais. Instituiu-se a Justiça Eleitoral, composta de um Tribunal Superior, tribunais regionais e juízes eleitorais.

Constavam dois tipos de qualificação: a ex officio ou a por iniciativa própria do cidadão. Para a primeira, habilitavam-se: magistrados, militares, servidores públicos efetivos, professores, profissionais liberais de grau superior, comerciantes, desde que com empresa registrada, e reservistas.

Pela primeira vez, solicitaram-se aos alistandos fotos de três por quatro centímetros para a inscrição – no título, figuraria também a impressão digital. Consagraram-se, no sistema eleitoral, o sufrágio universal direto com voto secreto – exercido em cabinas indevassáveis, através de portas ou cortinas – e a representação proporcional.

Previu-se, ainda, a possibilidade da utilização de máquinas de votar – empregadas pelo Tribunal Superior Eleitoral em 1996 nas eleições municipais. Partidos e grupos de eleitores – com, no mínimo, cem pessoas – podiam registrar em um Tribunal Regional, até cinco dias antes da eleição, a lista de seus próprios candidatos.

Caso o cidadão se inscrevesse mais de uma vez, ele teria como pena três meses a um ano de prisão celular, ou seja, iria para uma cadeia onde ocuparia sozinho uma cela. Se tentasse qualificar-se, equivocadamente, ex officio, haveria multa pecuniária, conversível em prisão celular.

Além disso, se uma autoridade eclesiástica se recusasse a verificar os lançamentos concernentes a batismo ou casamento anteriores a 1889 ou a emitir certidão relativa aos dois atos, haveria multa e, em caso de reincidência, privação dos direitos políticos. Se o cidadão fosse nascido antes de 1889, a declaração da sua certidão de batismo deveria ser gratuita.

Doze meses após o início da vigência do Código Eleitoral, o cidadão com direito de alistar-se e que quisesse exercer função ou emprego público, ou profissões para as quais se demandasse a nacionalidade brasileira, devia apresentar o seu título eleitoral, um ano após ter completado a maioridade.

A implementação de uma legislação eleitoral ampla não satisfez os opositores do governo. A fim de que pudessem retornar ao poder, setores da elite paulista demandaram, em julho de 1932, a destituição do Governo Provisório e a realização de uma Assembléia Constituinte.

Uma das motivações invocadas a posteriori pelos oposicionistas teria sido a presença, no governo de São Paulo, de militares interventores não paulistas. Contudo, apenas dois dos quatro governadores correspondiam a tal perfil – o último nomeado por Getúlio Vargas, antes da exacerbação do conflito, havia sido Pedro de Toledo, advogado nascido em São Paulo, cuja carreira política havia sido exercida a partir do seu próprio estado natal.

Sem apoio de outras unidades significativas da Federação, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o Estado de São Paulo iniciou, em julho, a Revolução Constitucionalista – nome consagrado pela história, conquanto o movimento fosse conservador. Os paulistas obtiveram apoio formal apenas do Estado do Mato Grosso, de onde saiu o comandante da revolta.

Os revoltosos capitularam logo em setembro, ao proporem o armistício, não obstante a mobilização intensa do movimento – houve mesmo o pedido de reconhecimento do estado de beligerância aos consulados instalados na capital, porém país algum acatou a solicitação. No início de outubro, teria fim o movimento. A ausência de apoio de outros estados teria decorrido do receio de São Paulo voltar a preponderar na política nacional.

Apesar da derrota, São Paulo obteve o atendimento de parte de suas reivindicações, como a nomeação, após quase um ano de encerramento do conflito, de um interventor afeito à elite local, e a convocação de uma Assembléia Constituinte para a elaboração de nova Carta Constitucional, a fim de regularizar, dentre outros tópicos, o sistema eleitoral.

Promulgada a Constituição em julho de 1934, a Assembléia Nacional Constituinte elegeria no mesmo mês o presidente da República para um quadriênio. Assim, a participação popular permaneceu restrita, visto ter sido esta uma eleição indireta. Em novembro de 1937, Getúlio Vargas efetivaria um golpe de Estado e teria início o período do Estado Novo.

Referência

5º título eleitoral - 1932. In: ARRAES, Virgílio Caixeta. Títulos eleitorais: 1881-2008. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral; Secretaria de Gestão da Informação, 2009. (Série Apontamentos, 2), p. 33 - 39.

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