O que faz a urna funcionar?

Rodrigo Carneiro Munhoz Coimbra1

 

 Muito já se falou sobre a urna eletrônica, a grande inovação que ela representa e o quanto ela se parece com um computador comum. Até mesmo um livro já foi escrito sobre a história da criação da urna.2 Mas o que leva o pressionar das teclas da urna a se transformar no registro fiel e inviolável da vontade do eleitor? Isso só é possível graças ao software da urna. E a história desse software merece ser contada.

A urna eletrônica e seu software são um projeto especificado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde a sua implantação, em 1996, os projetos do hardware e do software vêm sendo desenvolvidos pela equipe técnica do TSE. O hardware é fabricado por uma empresa vencedora de uma licitação. E até 2005, o software também era desenvolvido pela mesma empresa vencedora da licitação para fabricação do hardware. A cada eleição, são compradas novas urnas para substituir as mais antigas e para acompanhar o crescimento do eleitorado. E a cada nova aquisição, as urnas mudam, utilizando componentes mais modernos e agregando novas funcionalidades.

As primeiras urnas utilizavam o sistema operacional VirtuOS, um clone do sistema MS-DOS desenvolvido por um empresa brasileira. Em 2002, as urnas passaram a utilizar o Windows CE e, a partir de 2004, utilizou-se uma versão ainda mais nova desse mesmo sistema. Esse cenário de utilização de três sistemas operacionais perdurou até 2006. Em 2008, todas as urnas, dos modelos de 1998 a 2008, passaram a utilizar o Linux como sistema operacional.

Em 2005, diante da impossibilidade de a empresa contratada para a fabricação da urna 2004 fazer as adaptações necessárias no software para o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, foi preciso que a equipe da Seção de Voto Informatizado (Sevin), da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE, assumisse o desenvolvimento do software. Àquela época, essa equipe era responsável por toda a especificação de hardware e software da urna, incluindo processo licitatório, testes e aprovação do produto entregue pela empresa contratada. O referendo foi um sucesso e, a partir daí, o software passou a ser desenvolvido somente pela Sevin, que se especializou como unidade exclusivamente de desenvolvimento de software.

Após as Eleições 2006, ficou claro para a equipe da Sevin que a manutenção de três sistemas operacionais era uma tarefa duríssima e arriscada: praticamente tudo tinha que ser feito três vezes, uma para cada sistema operacional. Deu-se início, então, a um audacioso projeto de unificação e reconstrução de toda a plataforma de software da urna, para que fosse utilizado o Linux, um sistema operacional moderno, seguro e de código aberto, utilizado e mantido por uma vasta comunidade de pessoas e empresas. Assim nasceu o Uenux – Urna Eletrônica com Linux.

Com um prazo extremamente apertado, cerca de 18 meses, a equipe da Sevin, então com 20 pessoas entre programadores e testadores, assumiu a tarefa de refazer toda a plataforma de software da urna, que naquele momento já completava 12 anos de história. O desafio foi enorme, mas bem-sucedido em todas as etapas do trabalho: adaptações no Linux para adequá-lo ao hardware das urnas, desenvolvimento de bootloader,3drivers de dispositivos,4 bibliotecas5 e todos os aplicativos. Nesse esforço, se incluiu também o suporte a uma nova tecnologia a ser utilizada pela primeira vez naquele ano: a identificação biométrica na urna.

As Eleições 2008 foram realizadas com o Uenux instalado em todas as 450 mil urnas espalhadas pelo país. O sucesso foi incontestável: a menor taxa de falhas de toda a história do voto informatizado no Brasil. Desde então, o Uenux tem evoluído, seja para suportar as novas urnas, seja para aprimorar os mecanismos de segurança e auditoria que garantem que a expressão da vontade do eleitor não será violada.

Entre os aplicativos do Uenux, o mais conhecido é o Software de Votação (Vota). É no Vota que o eleitor digita os números dos candidatos, confere seus dados e fotos e confirma o seu voto para cada cargo. Esse aplicativo também serve para o mesário controlar quais eleitores podem ou não votar naquela seção eleitoral, fazendo a conferência do número do título do eleitor e da sua biometria. O Vota garante a integridade e o anonimato dos votos de cada eleitor, apura o resultado da seção, grava os arquivos para a totalização e imprime o boletim da urna, que já é o resultado publicado e auditável da eleição numa seção.

Para que esse software funcione, é necessário que ele seja instalado na urna junto com as listas de candidatos e de eleitores de cada seção. Isso é feito com o auxílio do sistema Gerenciador de Dados, Aplicativos e Interface com a Urna Eletrônica (Gedai-UE), aplicativo para Windows também desenvolvido pela Sevin. Com o Gedai-UE , são gerados cartões de memória que contêm o Uenux, os candidatos e os eleitores. Candidatos e eleitores são importados pelo Gedai-UE de outros aplicativos do TSE. Com esses cartões de memória, os técnicos dos tribunais regionais eleitorais instalam o Uenux na urna com as listas de candidatos e eleitores, procedimento feito a cada nova eleição.

Essa é uma descrição muito resumida do suporte de software da urna eletrônica. Na urna, são executados ainda aplicativos para auxílio à instalação do Uenux, teste do hardware, validação prévia de dados de candidatos, apuração de cédulas de papel, recebimento de justificativa eleitoral, ajuste de data e hora, recuperação de resultados, apoio a auditoria, entre outros.

É todo esse conjunto de software que move a urna eletrônica. Mas o que faz a urna funcionar? Sem dúvida, são as pessoas por trás desse software. Sejam os profissionais da Sevin, servidores e colaboradores que dedicam parte de suas vidas ao sucesso da eleição por meio da construção de uma plataforma de software de qualidade, auditável e confiável, sejam os profissionais de outras áreas do TSE e dos TREs, no enorme esforço de teste, preparação e distribuição das urnas.



1 Bacharel e mestre em Ciência da Computação pela Universidade de Brasília. Analista judiciário do TSE na Seção de Voto Informatizado.

2 CAMARÃO, Paulo César Bhering. O voto informatizado: legitimidade democrática. Empresa das Artes, 1997.

3Software responsável por iniciar o sistema operacional.

4Software responsável pela interação dos demais sistemas com os diversos dispositivos, tais como impressora, teclado e monitor.

5 Conjuntos de operações que podem ser utilizados por vários aplicativos.