Certificado de alistamento militar – uma exigência inócua

Lílian Ribeiro Pondé de Rocha1

 

1 Introdução

O atendimento eleitoral acolhe o indivíduo e o torna atuante no exercício de sua cidadania. Todo o emaranhado jurídico que norteia a sociedade foi constituído pelos membros do Poder Legislativo, que são escolhidos pelo povo por meio do voto. Não se discute a importância da atuação do povo por mecanismo eleitoral que hoje se apresenta completamente informatizado e altamente qualificado. As contradições burocráticas, entretanto, transportam o futuro eleitor para um conflito de regras e orientações que impõem, no início de sua relação com a Justiça Eleitoral, um amargor que transforma em um trauma alguns atendimentos que poderiam ser harmoniosos.

 

2 Alistamento eleitoral

O artigo 14 da Constituição Federal de 1988 preconiza que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Seu parágrafo primeiro dispõe que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos, maiores de 70 anos e maiores de 16 e menores de 18 anos.

Qualquer jovem, ao completar 18 anos, deverá comparecer aos postos de atendimento da Justiça Eleitoral munido dos documentos necessários à sua inscrição eleitoral.

Os maiores de 16 e menores de 18 anos, assim como os maiores de 70 anos, podem efetuar o alistamento, mas a presença às urnas é facultativa, sendo a ausência registrada no sistema sem a incidência de multa pecuniária.

Segundo os termos do art. 41, § 1º, do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966, que regulamenta a Lei do Serviço Militar, é obrigatório, para o brasileiro do sexo masculino, o alistamento até 30 de junho do ano em que completar 18 anos. O servidor do cartório deverá ficar atento para a seguinte regra: comparecendo em cartório eleitor com 18 anos completos, mas em data anterior a 30 de junho do ano em que ele completou a maioridade, não deverá ser-lhe exigido o Certificado de Alistamento Militar (CAM), uma vez que ainda não se exauriu o prazo para sua apresentação para o alistamento militar. Caso o eleitor se apresente à Justiça Eleitoral em data posterior a 30 de junho e tendo já completado 18 anos, deverá, sempre, ser exigido o CAM. A única restrição para alistamentos, revisões e transferências recai sobre a necessidade de a Justiça Eleitoral precisar encerrar o atendimento para que não haja mais mudanças e, dessa forma, possa se ocupar com a confecção dos cadernos de votação, armazenamento de dados das urnas eletrônicas, ajuste logístico dos locais de votações e outros materiais que exigem essa situação estática do sistema.

 

3 Importância histórica da exigência de documento comprobatório de alistamento militar para eleitores do sexo masculino na faixa etária de 18 a 45 anos

A necessidade de proteção é remota. Desde as primeiras formações sociais com a acomodação de Portugal após o descobrimento, fez-se necessário defender o território de possíveis invasões e conflitos locais.

O artigo 145 da Constituição de 1824 demandou que todos os brasileiros seriam obrigados a pegar em armas para sustentar a independência, a integridade do Império e defendê-lo de seus inimigos.

Após 1880, houve uma vinculação do cumprimento das obrigações militares para a admissão no serviço público.

Ao longo dos anos, leis e decretos foram moldando essa necessidade da nação, culminada com a promulgação da Lei do Serviço Militar, em agosto de 1964, que só entrou em vigor no dia 20 de janeiro de 1966, com a publicação de seu regulamento.

A Constituição Federal de 1988 apenas confirmou essa obrigatoriedade.

 

4 Inocuidade da exigência de documento comprobatório de alistamento militar para eleitores do sexo masculino na faixa etária de 18 a 45 anos

A flexibilização da idade mínima para o exercício do voto trouxe algumas incoerências passíveis de reflexão. O jovem do sexo masculino na faixa etária entre 16 e 18 anos não precisará apresentar o documento comprobatório de alistamento militar porque ainda não é possível alistá-lo no serviço militar. No momento em que ele for obrigado a alistar-se, se já tiver inscrição eleitoral, não haverá obrigatoriedade de apresentar o documento de alistamento ou dispensa militar à Justiça Eleitoral. O menor é, portanto, liberado da apresentação do documento pelo tempo em que estiver com inscrição eleitoral válida. Ele só terá necessidade de apresentar esse comprovante de alistamento caso precise fazer novo título em virtude de o anterior ter sido cancelado.

 

5 Caso análogo

O Ministério da Fazenda procede, periodicamente, ao processamento automático feito por lotes, a fim de minimizar o impacto no atendimento, e altera a situação da inscrição do CPF de pessoa física maior de 18 anos sem título de eleitor para “suspensa”.

Esse processamento é realizado com base na Instrução Normativa RFB nº 1.042, de 10 de junho de 2010, art. 24, que estabelece genericamente que a inscrição será suspensa quando houver inconsistência cadastral, combinado com o disposto no art. 7º, inciso II, que justifica a providência de efetuar a suspensão da inscrição para a pessoa física maior de 18 anos que não tenha título de eleitor.

 

6 Inconsistência e conclusão

Assim, a ausência de batimento no sistema eleitoral que altere a condição da inscrição a fim de exigir a apresentação do documento obrigatório para o eleitor do sexo masculino na faixa etária de 18 a 45 anos de idade, que tenha tirado o título entre 16 e 18 anos, oferece uma fragilidade à exigência do documento de alistamento militar para os demais eleitores.

A exigência do documento comprobatório de alistamento militar não produz mais, portanto, o efeito pretendido.



1 Analista judiciário, área administrativa, do TRE/BA, licenciada em Letras Vernáculas pela UFBA.