O Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no processo eleitoral

Jeane Soares Amorim de Freitas Barbosa1

 

O Novo Código de Processo Civil (NCPC), instituído pela Lei nº 13.105/2014, com vigência prevista para o primeiro semestre de 2016, representa um marco já celebrado no meio jurídico. De fato, a inovação legislativa pretende quebrar diversos paradigmas e concretizar mandamentos constitucionais, em especial, o direito a um processo justo.

O Direito Eleitoral, por sua vez, é caracterizado por ser regido por uma legislação especial e que, em diversos pontos, se distancia dos demais ramos do direito. Nessa senda, a Justiça Eleitoral, assim como a Justiça Trabalhista ou a Militar, apresenta nuances e peculiaridades que a distinguem dos demais ramos do Poder Judiciário brasileiro. Nesse ponto, questiona-se se o advento do NCPC irá repercutir na Justiça Eleitoral.

Outra não pode ser a resposta senão afirmativa. Assim, é certo que a Justiça Eleitoral deverá se adequar a carga axiológica presente na Lei nº 13.105/2014.

O primeiro ponto digno de destaque é que o NCPC não busca um papel de centralidade no direito brasileiro porque esse papel já é exercido pela Constituição. Com efeito, o NCPC intenciona extrair da Carta Magna a sua força e a forma de condução do processo, homenageando princípios como a publicidade, o contraditório e a celeridade, com respeito aos postulados inerentes ao devido processo legal.

Marinoni, Arenhart e Mitidiero destacam que:

O processo civil é estruturado a partir dos direitos fundamentais que compõem o direito fundamental ao processo justo, o que significa dizer que o legislador infraconstitucional tem o dever de desenhá-lo a partir do seu conteúdo. Em outras palavras, o processo civil é ordenado e disciplinado pela Constituição, sendo o Código de Processo Civil uma tentativa do legislador infraconstitucional de adimplir com o seu dever de organizar um processo justo. Vale dizer: o Código de Processo Civil constitui direito constitucional aplicado.2

O segundo ponto encontra-se na própria Lei nº 13.105/2014, ao dispor, em seu artigo 15, que: “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamete.” Trata-se, portanto, da autorização legal para que, em caso de lacuna, o Código de Processo Civil seja aplicado subsidiariamente.

No entanto, os aplicadores do direito devem ter em mente que o NCPC não apenas será utilizado de forma subsidiária, mas os reflexos na condução dos processos eleitorais serão diretos. Nesse sentido, como terceiro argumento, cabe invocar a teoria do diálogo das fontes.

A doutrina preconizada pela aludida teoria, surgida na Alemanha, com Erik Jaime, e desenvolvida no Brasil por Cláudia Lima Marques3 defende que não se pode conceber um microssistema jurídico fechado sem a leitura de todo o sistema de forma coordenada, considerando a existência de plúrimas fontes normativas.

Assim, partindo dessas premissas, é de se esperar diversas implicações do NCPC também na seara eleitoral. Dessarte, os processos deverão obedecer a uma ordem cronológica de julgamento, nos termos do artigo 12 do NCPC. Além disso, a lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. Prestigia-se a isonomia e a transparência. Nada obstante, continuará a ser possível a mitigação dessa ordem, especialmente, para conferir maior celeridade que resulta dos julgamentos em blocos.

Outro aspecto digno de nota é que passa a ser direito subjetivo às partes a prolação de sentenças motivadas não apenas em relação às teses vencedoras, mas no tocante às razões de as teses vencidas não terem logrado êxito.

Sobre esse aspecto, o NCPC expressamente dispõe os casos em que não serão aceitos como decisões fundamentadas. Nessa esteira, entre os diversos incisos previstos no artigo 489, não será considerada fundamentada a decisão, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Assim, as decisões devem ser fundamentadas de modo a esclarecer por qual razão determinada tese logrou-se vencedora e, também, por quais motivos outras teses não foram consideradas aptas a influenciar na decisão.

Por óbvio, não se pode deixar de antever que o contraditório recebe um impulso adicional com o advento da novel legislação. Também sobre esse aspecto, o NCPC prevê no artigo 9º que não serão proferidas decisões contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Observa-se, assim, que a carga axiológica de incentivo ao contraditório, à publicidade e transparência e à fundamentação das decisões deverá ser aplicada de imediato a partir da vigência do novo Código.

Cabe destacar, ainda, que a Lei nº 13.105/2014 alterou de forma expressa o vetusto Código Eleitoral em relação aos embargos de declaração, já que pela letra fria da Lei nº 4.737/1965 os embargos suspenderiam o prazo para interposição de recursos, salvo se manifestadamente protelatórios e assim declarados na decisão que os rejeitava. No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral já entendia que os embargos interrompiam o prazo para interposição de novos recursos. O NCPC veio, nesse aspecto, consolidar a jurisprudência sob esse tema.4

Por fim, é de se considerar que o Código Eleitoral foi editado sob a égide do Código de Processo Civil de 1939 e, assim, já enfrentou uma grande mudança legislativa com o Código de 1973. Agora surge mais um desafio, o de se compatibilizar com o NCPC de 2014 sem que surja uma indesejável terceira lei, repudiada pelo ordenamento jurídico.

Pode-se concluir que a aplicação subsidiária do NCPC não suscita dúvidas, uma vez que se mostra como meio de integrar eventuais lacunas na legislação eleitoral. Nessa linha de entendimento, é de se esperar que as normas de alta densidade axiológica previstas no NCPC também sejam incontestes perante a Justiça Eleitoral porque derivadas da própria Constituição. Assim, fomentando o debate, é de se esperar que, em especial, a publicidade e transparência, o contraditório e a fundamentação das decisões sejam revigorados a partir da vigência da Lei nº 13.105/2014. Isso é o que a sociedade anseia – o que se espera e o que a Justiça eleitoral, sempre na vanguarda, não pode se furtar a entregar.

 

Referências

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

MARQUES, Claudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. Antonio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 497065, Acórdão de 9.11.2010. Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Relator designado: Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: PSESS – Publicado em sessão, data 9.11.2010. Disponível em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/pesquisa-de-jurisprudencia/jurisprudência.



1 Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Eleitoral. Analista Judiciária do TRE/SP, removida para o TRE/DF. Lotada na Assessoria Jurídica da Corregedoria Regional Eleitoral do TRE/DF.

2 MARINONI et al, 2015.

3 MARQUES, 2009.

4 AgR-REspe-TSE nº 497065, Acórdão de 9.11.2010.