Entrevista

Assista, na galeria ao lado, ao vídeo da entrevista.

 

Na Revista Eletrônica da Escola Judiciária Eleitoral, converso com o vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Gilmar Mendes.

Muito obrigada por aceitar o convite da EJE, ministro.

É um prazer.

 

Inicialmente, considerando que nesta entrevista trataremos de alguns aspectos da reforma política, pergunto: há diferença entre reforma eleitoral e reforma política, ministro?

Não, eu tinha a impressão de que o termo reforma política é mais pretensioso, porque ela envolve discussões sobre o próprio sistema eleitoral. Reformas eleitorais parciais nós temos tido ao longo desses anos, inclusive aquela que, após o governo Collor, trouxe, por exemplo, a permissão expressa de doação das pessoas jurídicas, matéria hoje de grande polêmica. Agora, a ideia da reforma política envolveria a reconcepção de todo o sistema, inclusive, talvez, do nosso modelo hoje de eleição, especialmente das eleições parlamentares, o sistema proporcional, e a esse ponto nós não chegamos. Temos tido enorme dificuldade, já conseguimos fazer significativas reformas no texto constitucional, mas não conseguimos implementar essa tão almejada reforma política, que todos dizem, é a mãe de todas as reformas, é a matriz de todas as reformas. Isso nós não temos conseguido.

 

Qual é o papel do Poder Judiciário na reforma política?

O Judiciário tem indicado alguns caminhos e tem tido alguma intervenção, por exemplo, na discussão sobre fidelidade partidária.  O Supremo Tribunal Federal, mudando até uma jurisprudência já bastante consolidada, entendeu que, diante das práticas negativas que se tinha desenvolvido, era necessário reconceber o modelo da fidelidade partidária para dizer: se alguém trocasse de partido sem um motivo, uma razão plausível, isso deveria levar à perda do mandato, especialmente nas eleições proporcionais. Então, o Tribunal sinalizou para a não aceitação mais dessa prática, mais ou menos corrente entre nós. Recentemente o Supremo Tribunal Federal teve uma decisão ainda mais ousada, dizendo inconstitucional a doação de empresas privadas. Nesse sentido, o Tribunal tem tentado contribuir, a seu modo, e isso é discutido se o resultado é bom ou é ruim, mas o Tribunal tem participado desse processo da reforma política. Mas não cabe a ele, claro, reconceber o modelo político, o modelo de reforma mais denso, mais detalhado. Isso cabe ao Congresso Nacional. O Tribunal, de alguma forma, tem estimulado a ser tratado o processo decisório do Congresso.

 

A decisão do Supremo na ADI nº 4650, que trata do financiamento de campanhas, pode influenciar nas discussões sobre esse assunto? O que prevalece, a decisão do STF ou a do Congresso Nacional?

Vai prevalecer, acho, nesse primeiro momento, a decisão do Supremo Tribunal Federal. Vamos ter eleições sem o financiamento privado das pessoas jurídicas. Mas o próprio Congresso também tenta uma reação à decisão do Supremo e já há uma emenda aprovada na Câmara e agora submetida ao Senado que pretende estabelecer, ou restabelecer, o financiamento privado. Certamente, depois dessa decisão, se o Congresso confirmar esse entendimento, haverá uma nova ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, certamente esse debate vai prosseguir. O grande problema aqui que a gente tem apontado é que a decisão do Supremo sem uma mudança no sistema eleitoral ela, a rigor, talvez provoque mais insegurança e perplexidade, porque o correto seria saber qual é o sistema eleitoral e fazê-lo ajustado então a um sistema de financiamento, e nós estamos fazendo a viagem, na verdade, invertida; nós decidimos alguma coisa sobre financiamento eleitoral, e é aí que estamos tentando desenhar o sistema eleitoral. Mas certamente haverá influência. Nós não sabemos se vai ser positiva ou negativa, mas o Congresso vai reagir, e certamente haverá novos debates também no Supremo.

 

Considerando o sistema proporcional brasileiro e as coligações partidárias, quais as críticas que se faz a esse modelo? E quais os aspectos positivos, ministro?

Vamos começar pelos aspectos positivos. Aspecto positivo talvez seja a ampliação da participação das várias correntes, muitas correntes conseguem ficar representadas no Congresso Nacional. Mas aqui também está o defeito. Hoje nós temos muitas correntes no Congresso Nacional, talvez mais do que tenhamos em termos de divergências, de correntes na própria comunidade. A questão da coligação no sistema proporcional é um problema, porque partidos pequenos, assim os chamados nanicos, que não conseguiriam chegar ao Congresso Nacional, que não conseguiriam suplantar o cociente eleitoral, se juntam, esses partidos se juntam com outros maiores e acabam chegando ao Congresso Nacional e depois se dissociam. Logo após as eleições dá-se o divórcio, a separação. Logo, eles não formam blocos de caráter ideológico, em geral, formam apenas uma coligação, vamos chamar assim, para fins eleitorais. E isso distorce por completo o nosso sistema, a autenticidade do sistema.

 

O que é cláusula de desempenho, e o que a reforma política prevê em relação a essa regra?

Pois é, praticamente nós não conseguimos nada em relação ao que era desejado. No passado, e isso faz já mais de quinze anos, o Congresso aprovou uma ideia de cláusula de desempenho. O partido que não tivesse um dado desempenho perderia a condição de ser um partido com prerrogativas congressuais. Essa foi a ideia básica. Um modelo de outros países, por exemplo, o modelo alemão, que é um mais conhecido, estabelece uma cláusula que é alta, chamada cláusula de barreira. Se o partido não ultrapassa 5% dos votos, não obtém 5% dos votos em votação nacional, ele fica fora do parlamento. Essa é a ideia básica. Aqui nós temos enorme dificuldade, e hoje, com o número elevado de partidos pequenos, nós acabamos por ter dificuldade de aprovar qualquer medida que pareça restritiva ou afetadora dos interesses desses partidos.

 

Houve alterações no Congresso Nacional quanto aos temas “reeleição” e “tempo de mandato”?

Não. Esse era um debate central da almejada reforma política. Nas propostas de emenda, pretendia-se alterar a ideia da reeleição, e também se falou no debate sobre encurtamento de mandatos, ou até mesmo a possibilidade de se fazer coincidência das eleições. Há esse debate sobre a coincidência das eleições municipais e as eleições estaduais e federais, mas isso ficou suplantado. A rigor, não houve condições de fazer essa reforma, as dificuldades foram imensas, essas emendas não foram votadas.

 

Ministro, muito obrigada pela sua participação aqui na EJE.

Eu é que agradeço.

 

*Entrevista gravada e produzida pela Assessoria de Imprensa e Comunicação Social do TSE.