Liberdade de expressão x Propaganda eleitoral

Mouse, teclado e monitor na web.

Roselha Gondim dos Santos Pardo1



Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Declaração Universal de Direitos Humanos, art. 19



A liberdade de expressão é um direito fundamental da pessoa humana e é sustentáculo do desenvolvimento da democracia. A liberdade de expressão engloba a liberdade de pensamento, de opinião e de comunicação.

José Afonso da Silva conceitua liberdade de pensamento como “o direito de exprimir o que se pense”. Liberdade de opinião, por sua vez,


[...] se resume como a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Por isso é que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida das outras. Trata-se da liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública ou a liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro2.


Já sobre a liberdade de comunicação, José Afonso da Silva ensina que:


As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: (a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo porque se exprimam; (b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; (c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens dependem de autorização, concessão ou permissão do Poder Executivo Federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a quem cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, §§ 2º e 4º (45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); (f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio3.


No Brasil, a liberdade de expressão está garantida pelo texto constitucional em seu art. 5º, no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que está contido no título que trata dos direitos e garantias fundamentais4.

Embora reconhecida constitucionalmente como um direito fundamental, não se pode dizer que a liberdade de expressão seja plena no Brasil, especialmente no período eleitoral, quando não é permitido falar o que se pensa, ou o que se sabe, sobre políticos, parlamentares ou governantes. Isso porque a legislação eleitoral diligencia pelo estabelecimento de regras rígidas para os meios de comunicação de massa, fundamentada no fato de que estes estariam nas mãos de poucos, interessados na política.

Ocorre que nos últimos anos a realidade sobre o acesso à informação mudou radicalmente. Com o advento da Internet, a informação não está mais nas mãos dos donos das redes de televisão, rádio e jornal – fala-se, inclusive, em crise da imprensa escrita5.

No Brasil, mais de 80 milhões de pessoas acessam a rede mundial de computadores6 e têm acesso a informações do mundo inteiro em tempo real. Com a disseminação da informação pelo mundo, o caminho será a mínima interferência estatal sobre os meios de comunicação, para não correr o risco de silenciar os próprios cidadãos, impedindo-os de manifestarem suas ideias e pensamentos. Algumas decisões da Justiça ordenaram a retirada de páginas, blogs e até perfil de rede social da Internet porque faziam campanha eleitoral negativa7.

De outra banda, temos o exemplo dos Estados Unidos da América, onde qualquer cidadão, jornalista ou escritor pode dizer e escrever o que bem entender sobre autoridades e políticos em geral sem ser repreendido, tolhido ou censurado. Claro que todos que abusarem desse direito estarão sujeitos à admoestação por parte da Justiça, mas isso é muito raro acontecer.

Por exemplo: no processo eleitoral americano, existe um tipo de propaganda denominada mudslinging, que pode ser traduzida como “jogar lama” no outro candidato. É um tipo de campanha negativa com peças agressivas que fazem ataques pessoais ao adversário8. O candidato que faz esse tipo de propaganda corre o risco dos seus efeitos e os eleitores é que julgam o que lhes é mais conveniente.

No Brasil, há uma regra que proíbe os candidatos de expor, ridicularizar, ou injuriar os outros candidatos.

Mas de onde vem toda essa liberdade dos americanos? Segundo o jornalista Anthony Lewis9, “acredita-se que a liberdade de pensamento e expressão existente nos Estados Unidos provenha da Primeira Emenda”. A Primeira Emenda à Constituição americana proíbe o Congresso de aprovar leis que restrinjam a liberdade de expressão e de imprensa. Contudo, apenas um texto escrito não seria capaz de dotar a nação de tanta liberdade. Segundo Lewis, a Primeira Emenda data de 1791 e até cerca de 1920 aconteceram casos de descumprimento ao seu comando.

Então, o que mudou? Lewis relata que “o que mudou foi o entendimento dos juízes e do povo”. Hoje, o povo americano sabe que a liberdade de pensamento “é um elemento essencial ao sucesso da sociedade americana”.

Questões importantes envolvendo a liberdade de expressão já foram debatidas pela Suprema Corte dos EUA, como, por exemplo, informação e privacidade, informação e intimidade, informação e agente público, notícias sobre sigilo processual, entre outros.

É certo que o direito à liberdade de expressão não é absoluto; outros direitos devem ser sopesados. Em matéria eleitoral, especialmente, a liberdade de expressão deverá se submeter ao interesse público porque os atos e condutas dos que almejam cargos públicos são do interesse de todos e a sua divulgação é em defesa do interesse público.

Os casos de abuso, excessos, difamação e declarações falsas serão apreciados e, se for o caso, receberão a reprimenda adequada.

Mas o importante é que, para uma sociedade ser verdadeiramente democrática, os cidadãos devem ter o direito de falar e, principalmente, de ouvir o discurso político do outro e as ideias novas e chocantes, ou seja, que possam ser livremente expressadas “as ideias que odiamos”10.




1 Servidora da Justiça Eleitoral lotada na Escola Judiciária Eleitoral/TSE.
2 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006, p. 241.
3 Idem, p. 243.
4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
5O fim dos jornais impressos? Disponível em:<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o-fim-dos-jornais-impressos>.  Acesso em: 24 jan. 2013.
6 Acesso à Internet no Brasil chega a 83,4 milhões de pessoas, diz pesquisa. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/08/acesso-internet-no-brasil-chega-834-milhoes-de-pessoas-diz-pesquisa>.html.  Acesso em: 18 jan. 2013.
7Justiça eleitoral fiscaliza Facebook e manda usuário retirar perfil. Disponível em: <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=31442&sid=4.> Acesso em: 22 jan. 2013; Justiça Eleitoral do MS manda prender presidente do Google Brasil. Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/internet/justica-eleitoral-do-ms-manda-prender-presidente-do-google-brasil-25092012-7.shl>. Acesso em: 22 jan. 2013; Decisão da Justiça Eleitoral de SC causa polêmica na Internet. Disponível em: <http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/politica/eleicoes-2012/noticia/2012/08/decisao-da-justica-eleitoral-de-sc-causa-polemica-na-internet-3851860.html>. Acesso em: 22 jan. 2013.
8 O comercial Lama. Disponível em: <http://www.politicaparapoliticos.com.br/interna.php?t=761896&p=dp>.  Acesso em: 21 jan. 2013.
9 LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos. São Paulo: Ed. Aracati, 2011.
10 Idem.