Tema complementar

A questão do adolescente infrator: impunidade versus responsabilização penal

Elisabete Xavier1



O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.
Albert Einstein




A inimputabilidade do adolescente infrator é tema que tem levantado muitas discussões desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando ficou estabelecida a idade imputável aos 18 anos, de acordo com o art. 228, que dispõe: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Observa-se, desde então, que a sociedade em geral ainda encontra muita dificuldade em compreender o tratamento diferenciado dispensado aos adolescentes pelo regime constitucionalmente estabelecido atrelado ao regramento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O que se percebe é que a sensação de impunidade que permeia o nosso sistema jurídico-penal contribui para que pessoas pratiquem delitos. E, infelizmente, as crianças e os adolescentes não têm tido tratamento diferenciado nesse sentido, o que acaba resultando numa exagerada prática criminalizadora a qual vem atingindo adolescentes que, em conflito com a lei, terminam estimulando ainda mais o “clamor social” pela redução da maioridade penal.

A contemporaneidade do tema pôde ser verificada recentemente quando da discussão sobre as alterações no Código Penal Brasileiro – cujo assunto mais polêmico foi justamente a redução da maioridade penal.

Nesse contexto, vale a pena falar um pouco sobre a posição do direito da criança e do adolescente na conjuntura brasileira. Considerando todas as particularidades e especificidades das crianças e dos adolescentes, seres em processo de formação física, emocional e intelectual, é possível dizer que essa preocupação é relativamente recente na história social.

Em termos de legislação, os tratados e as convenções internacionais desempenharam papel fundamental no que se refere ao reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos distintos dos adultos e detentores de direitos fundamentais, pessoais e específicos. Na mesma medida, a elaboração de regramentos especializados a fim de regular as eventuais infrações legais cometidas por crianças e adolescentes também foi passo relevante.

No contexto jurídico brasileiro prevaleceu, por muito tempo, a chamada Doutrina da Situação Irregular, que estabelecia um tratamento discriminatório para o menor em situação irregular, deixando este à mercê da intervenção da Justiça. Porém, recentemente, a partir da vigência do ECA, passou a predominar no direito pátrio a Doutrina do Interesse Superior da Criança, que prevê proteção integral às crianças e aos adolescentes, os quais passaram a ser considerados sujeitos de direitos.

Ocorre que, apesar disso, o crescente nível de violência atual tem demonstrado que a criminalidade vem atingindo indiscriminadamente toda a sociedade e já não escolhe mais classe social, raça, cor, sexo ou idade. Nesse aspecto, a sensação de impunidade aliada à ineficácia do sistema jurídico penal – que não consegue impedir novos crimes, tampouco punir efetivamente os transgressores – traz à tona discussões sobre o tratamento legal dispensado aos infratores, principalmente, às crianças e aos adolescentes.

Esse é um ponto relevante que contribui para os movimentos pró-redução da idade imputável. A falta de conhecimento acerca do tratamento dado aos atos infracionais pelo ECA, atrelada à manipulação exercida pelos meios de comunicação ao noticiarem conflitos envolvendo jovens e adolescentes, tem levado uma significativa parcela da sociedade a se dizer a favor da redução da maioridade penal, ainda que pouco, ou nada, conheça sobre as particularidades que permeiam esse tema.

Muito se confunde a forma diferenciada de responsabilização de adolescentes que cometem delitos com a suposta falta de penalização. Essa falta de conhecimento e informação, na maior parte das vezes, acaba por acentuar o desejo de punição indiscriminada do adolescente infrator, o que contribui para marginalizá-lo ainda mais.

Importante refletir, nesse contexto, quais seriam as causas que tornam um adolescente infrator. Algumas vezes, o adolescente pode ser aquela pessoa abandonada pela família e pelo sistema que termina se atirando no mundo da criminalidade, pois este lhe promete um caminho mais fácil e rápido para alcançar os bens que a sociedade do consumo impõe como imprescindíveis. Outras vezes, o adolescente já traz a violência desde o nascimento devido a agressões físicas e psicológicas vividas na família, à fome e à falta de saúde, educação e segurança.

A fim de entender e tentar explicar as motivações desses menores para a prática de crimes, várias hipóteses têm sido discutidas, desde teorias funcionalistas (para as quais a inadaptação social explica o delito como uma disfunção do indivíduo), até outras que remetem à necessidade de compreensão dialética das relações sociais (para as quais os sujeitos produzem e reproduzem valores, comportamentos e atitudes como forma de dar significado a sua existência).

Entretanto, é importante ressaltar que a maior parte dessas teorias não consegue explicar como se pode ir além da identificação desses múltiplos fatores que atuam de forma diferenciada sobre cada indivíduo, o que dificulta o estabelecimento de regras gerais e torna antiquados e ineficientes os famosos “perfis de infratores”, que servem mais para a produção de estigmas do que para orientar ações de prevenção e coibição.

A partir dessas questões é que se tem desenvolvido uma política criminalizadora crescente que julga absurdo o fato de um adolescente, ao cometer uma infração, ter tratamento diferenciado dos adultos e responder perante legislação própria (o ECA). De outra parte, mas corroborando as críticas infundadas, há quem defenda que o tratamento legal dado pelo ECA aos atos infracionais não tem caráter penal, embora as medidas socioeducativas ali previstas encerrem, fundamentalmente, a ideia de punição ao adolescente infrator.

Entretanto, um exame detido e cuidadoso do ECA revela que o dispositivo traz, consistentemente, um regramento não apenas protetivo e garantidor dos direitos da criança e do adolescente, mas também de caráter penal, que prevê a devida responsabilização de adolescentes infratores, impondo diversas formas de imputação penal, quais sejam as medidas socioeducativas.

Diante disso, necessária é a percepção de que é real e efetiva a responsabilização penal do menor infrator pelo ECA, ainda que sob parâmetros diferenciados das medidas socioeducativas, estabelecidas em razão das condições especiais de ser humano em desenvolvimento que este apresenta. Isso demonstra que não há que ser sustentada, como argumento plausível, a alegada inimputabilidade do ato infracional como fator justificador para se pleitear a redução da maioridade penal.

1 Pós-graduada em Marketing Estratégico pelo Centro Interamericano de Desenvolvimento (Cenid Business School) e graduada em Ciências Econômicas pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia. Atualmente, cursa o oitavo semestre do Curso de Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub/DF).