O papel do eleitor-cidadão

Guilherme Regueira Pitta1

 

Em hipótese alguma, pode o eleitor-cidadão assumir a condição de sujeito meramente coadjuvante no processo eleitoral, pois sua atuação, longe de ser um simples dever, consubstancia importante direito de participação ativa e direta na formação de um governo legítimo e democrático, fazendo valer, com precisão e perspicácia, a tão propalada norma constitucional segundo a qual todo poder emana do povo.

A par disso, quando se pensa no processo eleitoral, embora logo venha à cabeça a figura dos candidatos, partidos e coligações como sujeitos de uma trama que é ordinariamente vigiada por eles próprios e por órgãos estatais (Poder Judiciário, Ministério Público e polícia), não se pode esquecer de que todo esse espetáculo se dirige especialmente ao mais importante dos sujeitos, o eleitor-cidadão.

Não é à toa que se utiliza essa denominação: eleitor-cidadão. Tal expressão assume importante caráter dúplice quando se percebe que, por um lado, chama-se de eleitor aquele que comparece livre e conscientemente às urnas para registrar seu voto, e, por outro lado, chama-se de cidadão aquele que tem o poder-dever de fiscalizar as eleições.

Com efeito, esse poder-dever encontra amparo, em primeiro lugar, no arcabouço constitucional e legal de princípios e regras que objetivam a promoção de eleições livres, com a mais límpida e cristalina manifestação da soberania popular, concretizando a promessa de justiça, liberdade e igualdade nas disputas envolvendo cargos eletivos. Ademais, em segundo plano, tal atribuição fiscalizatória advém dos preceitos morais que impõem a necessidade de contenção dos vícios eleitorais, a fim de alcançar os objetivos da República, especialmente a garantia do desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.

Nesse cenário, portanto, exsurge a legítima expectativa de que o eleitor-cidadão efetivamente adote uma postura corretiva em relação às irregularidades verificadas no curso do pleito, lançando mão do verdadeiro dever que justifica a sua condição de cidadão e destinatário dos atos governamentais e políticas públicas que serão implementados pelo futuro representante do povo.

Não há dúvida de que o voto é a melhor arma de que dispõe o eleitor, porém este não pode descartar outros artifícios que, no curso do processo eleitoral, podem garantir, de forma mais eficaz, a higidez e a legitimidade da disputa, especialmente porque não seria razoável aguardar até o dia da votação para tomar alguma providência contra aqueles que macularam o pleito.

Imaginem-se as seguintes situações: a) um eleitor-cidadão presencia o momento em que um candidato ofereceu ou prometeu dar dinheiro em troca dos votos dos moradores da comunidade em que reside; b) tem notícia de que a diretora da escola pública de seu bairro se reuniu com os pais de alunos para dizer que as matrículas de seus filhos seriam canceladas se eles não votassem em determinado candidato; c) depara-se com uma carreata de campanha em que se utilizavam veículos da prefeitura em prol do candidato à reeleição; etc.

É evidente que qualquer pessoa, em sã consciência, compreende que todas as práticas acima elencadas são ilícitas. Não seria difícil documentar essas ilicitudes, por exemplo, por meio de gravações de áudio, vídeo, fotos, etc. Sem falar que o próprio testemunho daquele que presenciou o ilícito se mostra bastante útil.

Munido de documentos ou somente de palavras, o eleitor-cidadão, antes mesmo do dia da votação, é livre para dar a notícia de fatos ilícitos ao juiz eleitoral, ao membro do Ministério Público e à autoridade policial, a fim de que seja iniciado o procedimento oficial que pode implicar a cassação do registro de candidatura ou do diploma daquele que cometeu a infração, podendo este até ser preso se a conduta configurar crime.

Ora, é notória a importância desse ato porque, embora sabendo que os órgãos estatais dispõem de capacitadas equipes de fiscalização e controle do processo eleitoral, afigura-se humanamente impossível que consigam coibir todas as irregularidades eleitorais cometidas em sua circunscrição.

A ajuda do eleitor-cidadão, sem dúvida, representa um grande reforço na luta contra os candidatos mal-intencionados que, sem o intuito de agir em prol da coletividade, buscam alcançar um cargo eletivo apenas para satisfazer seus interesses pessoais.

Nesse contexto, o afinco de cada eleitor-cidadão na fiscalização das eleições tem uma importância incalculável para o futuro seu e de toda a sociedade. Essa compreensão deve estar presente no pensamento de todos aqueles que desejam ter uma vida melhor, tornando possível o alcance de um importante degrau na escala de evolução do processo democrático do nosso país.      



1 Advogado, pós-graduado em Direito Eleitoral pela Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal e graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília/DF.