Por que devemos apostar no financiamento público de campanhas eleitorais

Carlos Augusto Dias de Assis1

 

O atual modelo de financiamento de campanhas eleitorais em vigor na legislação eleitoral brasileira admite que pessoas físicas ou jurídicas realizem depósitos em dinheiro, na forma de doação, a candidatos a cargos eletivos majoritários ou proporcionais, seus partidos políticos e suas campanhas eleitorais. É o chamado financiamento privado de campanhas eleitorais. À primeira vista, esse tipo de modelo parece não influir no fator de equilíbrio das campanhas eleitorais, tampouco parece ocasionar distorção do sistema de representatividade político-partidário, nem mesmo desfigurar o próprio conceito de democracia. Uma análise mais profunda da situação atual, porém, mostrará que esse modelo, apesar das aparências, gera o caos organizado em que se encontra a sociedade brasileira.

Em um país onde o eleitorado é fortemente influenciado por imagens, as campanhas eleitorais para a escolha de representantes da sociedade para o exercício de cargos públicos se tornam obrigatoriamente ancoradas na produção e manipulação de imagens de fácil entendimento, ainda que desprovidas de conteúdo político de qualidade. É o chamado marketing político – campanhas eleitorais cada vez mais midiáticas, espetaculares, que exigem grandes somas de dinheiro para sua viabilização e mesmo êxito. Nessa sistemática, quanto mais tempo um candidato for exposto aos olhos e ouvidos emocionais do eleitor, melhor será sua vantagem competitiva. O problema é que a realização do marketing político custa dinheiro, muito dinheiro.

Se o dinheiro é o elemento em torno do qual todas as nuanças da campanha eleitoral gravitam, tornando-se um fator de extrema importância a influenciar o sistema político-partidário em suas fases pré e pós-eleitoral, fica evidente que, no modelo privado de financiamento de campanhas eleitorais, não há a participação ativa, efetiva e igualitária de todos os grupos sociais, políticos, econômicos e culturais que compõem uma nação.

Assim, resta desfigurada a democracia em que, em função do peso do dinheiro, a apenas 1% – ou menos – de seus integrantes é permitido influir ativamente nos destinos políticos da nação e em que, aos grupos ou pessoas despossuídos de poder econômico, não se permite uma disputa eleitoral em condições mínimas de igualdade. Destaque-se que, a princípio, a igualdade e a liberdade são a essência da democracia.

Os efeitos nocivos à sociedade que o financiamento privado de campanhas eleitorais provoca não param por aí. Tomando-se o Poder Legislativo como exemplo, tem-se que, concorrendo para enviar ao Parlamento figuras midiáticas, frutos de campanhas eleitorais midiáticas, milionárias e desprovidas de conteúdo político e filosófico, eleitos por influência do poder econômico, que depois de eleitos percorrerão todo o mandato a representar e votar pelos interesses dos seus ricos doadores de campanha, deixando a maior parcela da sociedade sem representante efetivo de seus interesses privados e coletivos, o modelo privado cria distorção grave no sistema representativo eleitoral ao criar um abismo intransponível entre representantes e representados.

Na prática, o resultado dessa dinâmica política é um Poder Legislativo completamente cego, surdo e mudo aos anseios populares, composto majoritariamente por representantes dos interesses privados de grandes empresas, grupos financeiros, conglomerados industriais nacionais e estrangeiros e oligarquias latifundiárias. A necessidade social de mais e melhor educação, saúde, moradia, mobilidade urbana, segurança pública, lazer, cultura, esportes, trabalho, ciência, tecnologia, alimentos, reforma política e fiscal fica sempre como última prioridade.

O financiamento privado de campanhas eleitorais cria uma realidade extremamente desfavorável para aqueles que gostariam de ver o retorno de seus impostos na forma de serviços públicos de qualidade, isso sem mencionar a simbiose nebulosa que se forma ao juntar interesses privados com representantes de poderes públicos, o que resulta frequentemente, nas páginas de jornais e revistas, na publicação da palavra “corrupção”.

Outro efeito devastador dessa crise de representatividade – e talvez o mais nefasto, dado a seu efeito psicológico – é a criação, na coletividade, de um sentimento de impotência e ressentimento que leva as pessoas a assumirem atitudes de resignação e desilusão com a política em geral, minando o surgimento de novas ideias, novas lideranças e novos caminhos. A sociedade simplesmente aceita o estado de coisas vigentes com um “dar de ombros”.

Por sua vez, o financiamento público de campanhas eleitorais, se implementado por meio de regras coerentes, poderá contribuir sobremaneira para provocar uma mudança radical no âmago do problema social – o qual presenciamos dia após dia –, pois tem o potencial de simplesmente negar a realidade atual.

Fica evidente que, se nós, sociedade brasileira, realmente almejamos mudanças profundas, benéficas e duradouras para o país, teremos que escolher se queremos que as regras atuais evoluam para melhor ou se optaremos por cruzar os braços e deixar tudo como está.



1 Analista judiciário do Tribunal Superior Eleitoral.