Domicílio eleitoral

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Rodrigo Moreira1


 O domicílio é juridicamente relevante, pois é com base nele que os indivíduos exercerão alguns de seus direitos. Como exemplo de sua importância, pode-se dizer que é nesse local que o cidadão centraliza seus negócios, responde aos processos civis e, a depender do caso, saberá perante qual juiz responderá criminalmente. Percebe-se, então, que o conceito de domicílio é de grande influência tanto para o Direito Civil quanto para o Direito Penal. Porém, não menos importante, será, também, de grande valia para o Direito Eleitoral.

Entretanto, curiosamente, o conceito de domicílio para o Direito Eleitoral não coincide com o de domicílio para o Direito Civil. Um é mais abrangente que o outro, a saber: o eleitoral é mais amplo. Imagina-se, no sentimento popular, que seriam coincidentes, mas não são. Essa diferenciação traz consigo uma série de consequências benéficas aos eleitores e aos candidatos, pois permite uma maleabilidade que não seria possível caso a legislação eleitoral se mantivesse irredutível ao conceito de domicílio civil.

Entre outras finalidades, o domicílio eleitoral serve para organizar todo o conjunto de eleitores (o eleitorado), o que permite à Justiça Eleitoral organizar as eleições em todo o país. Nesse sentido, o domicílio civil demonstrou-se rígido demais para suprir as necessidades dos cidadãos, o que originou a necessidade de mudanças para atender às finalidades eleitorais.

Dessa forma, partindo do conceito civil de domicílio, tem-se a finalidade de revelar o que é domicílio para o Direito Eleitoral e de detalhar as consequências práticas disso, alertando-se, inclusive, para a necessidade do recadastramento biométrico iniciado pela Justiça Eleitoral, momento em que o domicílio eleitoral precisará ser comprovado por todos os eleitores, ao procederem ao recadastro (arts. 7º e 8º da Res.-TSE nº 23.335/2011).

O domicílio civil, para ser caracterizado, leva em conta dois requisitos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro diz respeito a circunstâncias que não são influenciadas pela vontade do indivíduo. Trata-se apenas do lugar propriamente dito, ou seja, é o local físico, a residência. O segundo requisito – subjetivo – envolve a vontade de permanecer de modo definitivo naquele lugar objetivamente indicado. Logo, é totalmente dependente da vontade, motivo pelo qual é chamado de subjetivo. Portanto, para que haja o domicílio civil, juntam-se o lugar com a vontade de permanecer definitivamente nele. Essa vontade é o elemento essencial e decisivo para caracterizar o domicílio civil.

De modo diverso ocorre no Direito Eleitoral, visto que há requisitos menos rigorosos. Na verdade, a necessidade de um vínculo subjetivo foi trocada pela necessidade de um vínculo especial. Veja que, com requisitos mais suaves, a probabilidade de escolher um domicílio é maior, pois, quando não se exige o vínculo subjetivo, pode acontecer de a mesma pessoa ter mais de um possível domicílio, posto que esse vínculo é o ânimo definitivo e manifesto de centralizar a vida, as necessidades e os negócios em um lugar. Em outras palavras, não é necessária a vontade de centralizar a vida em determinado lugar para considerá-lo um domicílio eleitoral. Basta o requisito objetivo conjugado com o vínculo especial.

Assim, o requisito objetivo, quando desligado do vínculo especial, não satisfaz os requisitos caracterizadores do domicílio eleitoral, porque “A simples comprovação fática objetiva da residência (casa, apartamento etc.) não preenche o sentido da norma legal.”2. Logo, são aspectos complementares.

Na sequência, esse vínculo especial pode surgir por inúmeros motivos que não sejam, exclusivamente, a vontade de morar. Essa vinculação especial surge a partir de um elo, seja ele familiar, social, afetivo, comunitário, patrimonial, negocial, econômico, profissional ou político com o lugar. Nesse contexto, ainda que os eleitores ou candidatos não morem efetivamente no local, eles poderão votar e se candidatar, desde que comprovem algum dos vínculos citados acima. Observe o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “A circunstância de o eleitor residir em determinado município não constitui obstáculo a que se candidate em outra localidade onde é inscrito e com a qual mantém vínculos (negócios, propriedades, atividades políticas)”3. O tema, portanto, não é motivo de controvérsias.

A jurisprudência tem sido bastante flexível ao considerar quais elementos podem vincular eleitoralmente o cidadão, veja: “Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos.”4, “Admite-se o domicílio eleitoral em localidade onde o eleitor mantenha vínculo patrimonial.”5, “Provada a filiação, além de outros vínculos com o município, é de se deferir a inscrição do eleitor no município onde tem domicílio seu genitor.”6 e “Não se pode negar tais vínculos políticos, sociais e afetivos do candidato com o município no qual, nas eleições imediatamente anteriores, teve ele mais da metade dos votos para o posto pelo qual disputava.”7

Enfim, verifica-se possível ter domicílio eleitoral em local diverso do qual efetivamente reside, por exemplo, onde se encontrem membros da família (familiar), onde se promovam projetos beneficentes (social ou comunitário), onde seja proprietário de empresa ou de investimentos relevantes (patrimonial, negocial ou econômico), onde exerça advocacia, consultoria ou mantenha contrato de trabalho (profissional), onde já tenha sido candidato ou tenha participado de atividade política (político) etc.

Entretanto, antes de prosseguir com a matéria, faz-se necessária a seguinte advertência: não se confunda a possibilidade de escolha entre mais de uma opção para domicílio eleitoral com a possibilidade de ter dois ou mais domicílios eleitorais. A primeira afirmativa é verdadeira; a segunda, não. Ou seja, pelo fato de o conceito eleitoral ser mais amplo, um local que não cumprirá os requisitos para ser um domicílio civil talvez possa ser um domicílio eleitoral. Desse modo, diante de várias possibilidades, o eleitor deverá escolher um, e apenas um, domicílio eleitoral, ainda que ele não coincida com o domicílio civil. Essa é a amplitude do conceito quando se fala em Direito Eleitoral. Portanto, não se diga que, por ter várias possibilidades, o eleitor terá vários domicílios.

Para finalizar o conceito, une-se o parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral, “[...] é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.”, ao seguinte acórdão do TSE: “O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Direito Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e sociais.”8, o que confirma os apontamentos acima.

Delimitado o conceito, passa-se à análise da importância de um domicílio eleitoral. Nesse momento, é comum surgir a seguinte indagação: qual a necessidade de ter um domicílio eleitoral, visto que já temos o domicílio civil? Ora, o tema interessa a todos os participantes do processo eleitoral9, tanto aos eleitores quanto aos candidatos e à Justiça Eleitoral, e sua importância é peculiar às necessidades de cada um deles.

Primeiramente, o domicílio eleitoral é de interesse dos eleitores, pois é nele que exercerão o direito de votar. Perceba que é perfeitamente possível alguém querer votar em local diverso de onde efetivamente more, por qualquer daqueles motivos capazes de manter o vínculo especial. A moradia em determinado lugar não significa o rompimento total dos vínculos com a antiga residência, que, aliás, podem ser mais fortes que o novo vínculo. Imagine, por exemplo, o caso de alguém que se mude apenas para cursar nível superior ou para trabalhar temporariamente. Os vínculos com sua origem não são desfeitos e, às vezes, podem até ser bem mais robustos que o motivo da mudança. Portanto, a rigidez do domicílio civil talvez pudesse entrar em conflito com a liberdade de exercer o voto onde o eleitor tenha algum dos vínculos mencionados nos parágrafos anteriores.

Por outro lado, da mesma maneira que não se pode tolher a vontade do eleitor que deseje votar onde mantenha vínculos, não se pode impedir o futuro candidato de lançar sua campanha nesses lugares. Os motivos são os mesmos. Se o desejo de votar pode ser influenciado por tais vínculos, quanto mais em relação à candidatura. Um projeto social, uma disputa eleitoral anterior ou o exercício de uma profissão de extrema relevância social podem ser fatores decisivos para o sucesso de uma candidatura, portanto, seria injusto impossibilitar ao cidadão o direito de candidatar-se nesses lugares. Por consequência, o domicílio eleitoral é de grande importância para os candidatos.

À Justiça Eleitoral também interessa o assunto, pois é por meio do domicílio eleitoral que ela organizará todas as eleições. É com base nesse cadastro que se separa quem é eleitor de quem será candidato, como também se organizam os colégios eleitorais. De posse de todos esses dados, é possível gerir eleições nacionais em um país continental como o nosso.

E, apenas a título de esclarecimento, acrescenta-se a informação de que os documentos aceitos para comprovarem o domicílio eleitoral estão dispostos no art. 65 da Res.-TSE nº 21.538/2003, entre eles: contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência. Resumidamente, esse artigo define o procedimento para comprovar o domicílio e as medidas que o juiz eleitoral pode utilizar para se certificar da veracidade das informações prestadas pelo cidadão.

Finalizando, estas são as justificativas de o conceito de domicílio ser mais abrangente para o Direito Eleitoral: permitir que os eleitores votem onde tenham vínculos reais, ainda que não sejam no município de sua moradia; eliminar possíveis injustiças a quem queira lançar candidatura em local diverso de onde mora, mas que a ele esteja vinculado; e viabilizar a organização das eleições.


1 Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral, lotado na Escola Judiciária Eleitoral.

2 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011, p. 210.

3 AgRg em Respe nº 18.124, Acórdão nº 18.124 de 16.11.2000, Relatora Min. Jacy Garcia Vieira.

4 AgRg em AI nº 4.769, Acórdão nº 4.769 de 2.10.2004, Relator Min. Humberto Gomes de Barros. 

5 Respe nº 10.972, Acórdão nº 13.459 de 25.5.1993, Relator Min. Carlos Mário da Silva Velloso.

6 AgRg em AI nº 4.788, Acórdão nº 4.788 de 24.8.2004, Relator Min. Luiz Carlos Lopes Madeira.

7 Respe nº 16.397, Acórdão nº 16.397 de 29.8.2000, Relatora Min. Jacy Garcia Vieira.

8 Respe nº 16.397, Acórdão nº 16.397 de 29.8.2000, Relatora Min. Jacy Garcia Vieira.

9 O processo eleitoral compreende as várias fases pelas quais é preciso passar para que haja uma eleição bem sucedida, incluindo tudo o que for necessário para os eleitores e os candidatos participarem dele. Portanto, o processo vai desde o alistamento eleitoral, da votação e da apuração dos votos até a diplomação dos eleitos.