Guerra dos sexos: a mulher venceu? - Notas sobre a participação política da mulher no Brasil

Leitor biométrico fazendo a identificação de uma eleitora.
Foto: U. Dettmar/ ASICS/TSE

Roselha Gondim dos Santos Pardo1


A revista Época trouxe, na edição 747, matéria de capa intitulada “A mulher venceu a guerra dos sexos”. A reportagem baseia-se no livro da jornalista americana Hanna Rosin, The end of men (O fim dos homens, ainda sem tradução no Brasil). No livro, a autora relaciona avanços femininos em diversas áreas para concluir que a guerra dos sexos acabou – e as mulheres venceram. No mundo da jornalista, as situações desfavoráveis enfrentadas pelas mulheres ficaram para trás.

Coincidentemente, a Presidenta Dilma Roussef é capa da revista Forbes, que traz o ranking anual das mulheres mais poderosas do mundo. Pelo segundo ano consecutivo, a Presidenta aparece na terceira colocação da lista, que tem na liderança a chanceler alemã Angela Merkel, e no segundo lugar Hilary Clinton, Secretária de Estado norte-americana.

"Essas mulheres de poder exercem influência de formas muito diferentes e para fins muito diferentes, e todas com impactos muito diferentes sobre a comunidade global", disse a presidente e editora da ForbesWoman, Moira Forbes. A revista mencionou a Presidenta Dilma por sua liderança à frente do governo e pelos índices de aprovação dentro do país.

Mas o que realmente representa para as mulheres brasileiras, em termos de participação política, o fato de ter uma Presidenta da República?

Façamos uma breve digressão sobre o assunto.

A história da participação política da mulher é marcada com a luta pelo direito ao voto. Essa luta iniciou-se em 1851, quando as mulheres norte-americanas engajaram-se nos movimentos pelo fim da escravidão nos Estados Unidos. A intenção era conseguir a aprovação de uma emenda constitucional que abolisse a escravidão e desse o direito de voto a todos, independentemente de sexo, raça, cor ou condição social. Apesar dos esforços, somente após a abolição da escravatura e após o fim da Guerra Civil a luta pelo voto feminino se intensificou, culminando com a aprovação da 19ª emenda a Constituição americana – ratificada em 1920 – que proibiu a discriminação política com base no sexo.

Nesse ínterim, outros países aprovavam o voto feminino. A Nova Zelândia o fez em 1893, a Austrália em 1902 e a Finlândia em 1906. Na Inglaterra, a luta pela direito ao voto foi uma das mais difíceis. Somente em 1918, com o término da Primeira Grande Guerra, na qual as mulheres tiveram grande participação, foi dado direito ao voto àquelas com mais de 30 anos.

Na América Latina, por sua vez, o primeiro país a conceder o direito ao voto às mulheres foi o Equador, em 1929. Na Argentina, só após a posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que começou a campanha pelo voto feminino, capitaneada por sua esposa Evita Perón, que se empenhou por essa conquista, aprovada em 23 de setembro de 1947.

No Brasil, o início do movimento se deu em 1890, quando o constituinte, médico e intelectual baiano César Zama, durante os trabalhos de elaboração da primeira Constituição republicana, defendeu o sufrágio universal, a fim de que as mulheres pudessem participar efetivamente da vida política do país. Contudo, é importante lembrar que, como a oposição a esse ato foi grande, tal direito não foi efetivado.

Apenas com o advento da Revolução de 30, foi elaborado um anteprojeto de lei eleitoral aprovando o voto feminino. Tratava-se do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro. O decreto, em seu artigo 2º, disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo2. Ressalte-se que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que as mulheres em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral3.

Oitenta anos depois, temos uma mulher na Presidência da República. Isso, por si só, demonstra que houve incontestáveis avanços, no entanto, a eleição de uma presidenta não significa que as mulheres têm pleno e igual acesso aos espaços de representação política no Brasil, pois a participação nas esferas políticas inferiores e nos parlamentos ainda está muito aquém do esperado. Prova disso são as estatísticas das eleições.

As mulheres, em 2008, representaram 11% do total de candidatos a prefeito e 22% das candidaturas a vereador. Em 2010, apenas 22% dos candidatos para a Câmara Federal eram do sexo feminino. Sendo que, para concorrer ao Senado Federal e ao Governo dos estados, os números foram ainda menores, ficando em torno de 13% e 10%, respectivamente.

Já em 2012, as mulheres representaram 12,84% dos candidatos a prefeito. Concorreram 2.070 mulheres em um universo de 15.760 candidatos. Para o cargo de vereador, o desempenho foi um pouco melhor, as mulheres representaram 32,64% dos candidatos.

Vale ressaltar que esta é a primeira eleição municipal após a vigência da Lei nº 12.034/2009, que estabeleceu a obrigatoriedade dos partidos ou coligações preencherem o mínimo de mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo4.

Nota-se que, com o estabelecimento da cota mínima, o percentual de candidaturas femininas teve um aumento considerável. No entanto, as eleições para os cargos do executivo ainda atestam a lentidão do crescimento da participação política das mulheres.

Atualmente, o eleitorado feminino representa 51% do total de eleitores do país. Considerando que as mulheres são a maioria, o esperado era que ocupassem percentual maior dos cargos políticos existentes. Mas isso não é o que ocorre. Primeiro porque não se nota no eleitorado feminino que exista alguma relação entre o voto e o sexo, ou seja, as mulheres não votam em mulheres apenas por uma questão de gênero.

Devemos levar em consideração também que a cultura patriarcal ainda está profundamente enraizada em nossa sociedade e o costume é que a cultura política seja passada do pai para os filhos homens. Os casos de herança política passada para as mulheres são raros e acontecem, em sua maioria, quando não há herdeiros homens, ficando a atuação dessas mulheres restritas a temas de mulheres, como por exemplo, os relacionados a questões de saúde e educação.

Os partidos políticos, por sua vez, não são agremiações abertas às mulheres. Ao contrário, são redutos masculinos. Como os partidos possuem o monopólio das candidaturas no Brasil, uma maior participação feminina está necessariamente ligada à maior participação dentro das agremiações partidárias. Estas devem adotar medidas voltadas para a maior participação das mulheres, inclusive nos cargos de direção do partido.

Visando a tornar efetivo o comando normativo do percentual mínimo de cada um dos sexos, primeiramente deve ser definida a sanção adequada para o partido que descumprir o percentual mínimo. Várias hipóteses podem ser levantadas, desde a sanção moral, ou por censura pública, a cargo da população que seria cientificada por meio de publicação e divulgação de que o partido está com as candidaturas em desconformidade com a lei. Além disso, o partido que não se empenhasse em cumprir a exigência legal poderia também ficar sujeito a perder percentual do fundo partidário a que teria direito, ou ainda, tempo no horário eleitoral gratuito.

Como podemos ver, embora tenham vencido muitas batalhas, as mulheres continuam sendo um grupo vulnerável que depende de proteção legal e específica do Estado que lhes garanta o direito de serem cidadãs plenas. E, nesse campo, não basta uma mera igualdade formal. Para a igualdade de todos é necessário avançar mais, com medidas concretas em favor das mulheres.

 

1 Servidora da Justiça Eleitoral lotada na Escola Judiciária Eleitoral do TSE.
2 Art. 2º É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.
3 Art. 121. Os homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral.
4 Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher.
  § 3o  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)