Ilegitimidade do comitê financeiro para interpor recurso eleitoral

Tiago de Melo Euzébio1

 

As campanhas eleitorais – definidas como o período em que um partido, candidato ou postulante a uma candidatura dedica à promoção de sua legenda, candidatura ou postulação – envolvem custos financeiros e materiais para o seu desenvolvimento.

O Brasil adota o sistema misto de financiamento eleitoral, com recursos públicos e privados nas campanhas.

O financiamento público compreende:

a)  horário gratuito de propaganda eleitoral, previsto na Lei nº 9.504/1997, art. 99; e de propaganda partidária, previsto na Lei nº 9.096/1995, art. 45 c.c. 52, parágrafo único;

b) Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), previsto na Lei nº 9.096/1995, capítulo II, arts. 38 a 44;

c) permissão para utilização gratuita de escolas públicas e casas legislativas para a realização de reuniões e convenções partidárias, autorizada pela Lei nº 9.096/1995, art. 51; e

d)  imunidade tributária, estipulada na Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, art. 150, VI, c.

Por usa vez, o financiamento privado contempla:

 a) doações de filiados e ocupantes de cargos públicos, cujos limites são disciplinados internamente pelas agremiações nos estatutos partidários;

b) recursos próprios dos candidatos (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º, II);

c) doação de pessoas físicas até 10% do rendimento bruto auferido no ano anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º, I);

d) doação de pessoas jurídicas até 2% do rendimento bruto declarado no ano anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 81, § 1º);

e) doações de partidos ou comitês financeiros (Lei nº 9.096/1995, art. 39, § 5º); e

f)  receita decorrente da comercialização de bens e realização de eventos.

 A arrecadação e a aplicação dos recursos nas campanhas eleitorais são de responsabilidade dos partidos e candidatos. A Lei nº 9.504/1997, art. 19, permite a constituição de comitês financeiros dos partidos políticos até dez dias após a escolha de seus candidatos em convenção para cada uma das eleições nas quais o partido apresente candidato próprio.

A criação dos comitês é vinculada aos partidos políticos, portanto não se admite a criação de um comitê financeiro da coligação eventualmente deliberada para os pleitos.

Os comitês financeiros são órgãos temporários que auxiliam os partidos na arrecadação de recursos, no gerenciamento da aplicação dos fundos e na prestação de contas de campanha, devendo ser registrados na Justiça Eleitoral.

Durante o período de arrecadação de recursos até a prestação de contas, os comitês prestam informações à Justiça Eleitoral, com vários atos disciplinados pela legislação eleitoral e pelas resoluções que instruem o processo eleitoral.

Dentre os atos disciplinados, destaca-se a obrigatoriedade de prestar contar e sanar as irregularidades detectadas pela Justiça Eleitoral, que solicitará informações adicionais e diligências para reparar os defeitos verificados.

De acordo com informações disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral2, prestação de contas é ato pelo qual os partidos políticos que participam do pleito e os seus candidatos dão conhecimento à Justiça Eleitoral dos valores arrecadados e dos gastos eleitorais efetuados a fim de que sejam impedidos: distorções no processo eleitoral, abuso de poder econômico e desvios de finalidade na utilização dos recursos arrecadados. Além disso, objetiva preservar, dentro da legalidade, a igualdade de condições na disputa eleitoral.

Nos processos que cuidam da prestação de contas de campanha, surge a discussão sobre a legitimidade dos comitês financeiros para interpor recursos. De acordo com decisões tomadas no TSE em 20143, os comitês financeiros não têm legitimidade para interpor recursos eleitorais, com base nos seguintes argumentos:

a) os comitês financeiros são órgãos destituídos de personalidade jurídica e criados unicamente com o objetivo de movimentar recursos financeiros na campanha eleitoral

b) a sanção decorrente da desaprovação das contas recairá sobre o partido político e não sobre comitê financeiro, o que retira desse último a legitimidade e o interesse recursal, sem prejuízo de os candidatos responderem por abuso de poder econômico.

 Mesmo que o comitê financeiro tenha sido admitido como parte litigante em instâncias inferiores, sua legitimidade não se convalida com o passar das instâncias. O interesse e a legitimidade para recorrer da desaprovação de contas do comitê financeiro são, portanto, do partido político.

 



1 Analista judiciário do TSE, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP e especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas/Brasília.

2 <http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-p#prestacao-de-contas-de-campanha-eleitoral>.

3 Esse assunto foi abordado no AgR-AI nº 3.237, DJE de 18.6.2014, p. 37-38, relator Ministro Henrique Neves; no AgR-AI nº 3.152, DJE de 30.9.2014, p. 390, relator Ministro João Otávio Noronha; e no AgR-REspe nº 206.780, DJE de 8.10.2014, p. 56-57, relatora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura.