Cidadania: um caminho em construção

Fachada frontal do Congresso Nacional. Foto de Luiz Alves, da Câmara dos Deputados.
Fonte: Câmara dos Deputados/Luiz Alves

Alessandro Rodrigues da Costa1

 

O sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall2 analisou detidamente a evolução da cidadania como desenvolvimento dos direitos civis a reboque dos direitos políticos e dos direitos sociais ao longo dos séculos XVIII a XX, conceituando os direitos civis como aqueles direitos que concretizam a liberdade individual, tais como os direitos ao livre pensamento, à celebração de contratos, à propriedade privada e ao direito de ir e vir. Já os direitos políticos, segundo ele, são aqueles que garantem a participação dos agentes no poder político; dando a eles a possibilidade de elegerem e serem eleitos. Por último, os direitos sociais equivalem, segundo Marshall, ao direito de acesso a um mínimo de bem estar e segurança materiais, o que pode ser interpretado como o acesso de todos os indivíduos ao nível mais elementar de participação no padrão de civilização vigente.

A aquisição das três dimensões de cidadania pelo indivíduo torna-o cidadão pleno, como explica José Murilo de Carvalho3:

 

O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não cidadãos.

A cidadania mostra-se, dessa forma, como consequência das intervenções humanas conscientes na ordem social e política. Assim, ínsita é a ideia de que é necessária a aquisição de consciência política pelos cidadãos, como forma de evolução da cidadania.

No Brasil, a política tornou-se – para um grande contingente de cidadãos – sinônimo de corrupção, afastando o eleitor, muitas vezes, da perseguição ao ideal de cidadania, eclipsando o processo de busca de consciência e valor ético e político do sufrágio, dando lugar apenas ao ato de votar no dia da eleição, uma vez que esse é obrigatório.

Segundo Aristóteles, a prática política e o Estado são essenciais à população. A pessoa humana é um animal social e político por natureza, e a prática política deve ter em vista o bem comum. No caso brasileiro, dada a multiplicidade de escândalos que permeiam os veículos de mídias nacionais e até mesmo internacionais, têm-se como já inserido no imaginário cotidiano que o que grande parte de nossos políticos tem praticado é algo contrário à ética e à moralidade.

Segundo o patrono dos políticos e governantes, Thomas More, “a pessoa humana não pode separar-se de Deus, nem a política da moral”.

Certo é que, quando o exercício da política se desassocia da moral, o agente político percorre um caminho pantanoso, com fins egoístas, que como resultado exclui uma grande massa de pessoas do acesso à melhoria de vida, uma vez que, entre outras improbidades, usurpa recursos públicos destinados à infraestrutura, hospitais, segurança, fomento ao emprego, etc.

Essas atitudes, cada vez mais frequentes e, conforme já salientado, extenuantemente exploradas pelos veículos de comunicação, fazem com que a “classe política” ou “os políticos profissionais” sejam desprezados pela população, causando, inclusive, um fenômeno que tem se repetido nos últimos pleitos, qual seja, o repaginado “voto de protesto” que leva às tribunas legislativas e executivas personagens que não têm um histórico político e nem ao menos um discurso sólido a ser avaliado pelos eleitores, sendo não raro que comediantes, artistas, cantores e outras figuras caricaturais elejam-se com plataformas no mínimo jocosas.

Dessa forma, mostra-se como via irremediável para o resgate do significado clássico de política, como forma de participação popular na melhoria da coletividade, a participação consciente e pujante da sociedade, não apenas nas eleições, mas nos vários momentos cruciais que a sociedade vivencia.

Os processos eleitorais recentes no Brasil mostram um dado interessante: as crianças passaram a acompanhar, sistematicamente, os programas dos candidatos na TV. Comprovação empírica desse dado é o fato de que, em período eleitoral, nos parques, restaurantes ou locais de aglomeração, é comum ouvi-las cantando os diversos jingles de campanha, bem como não raro imitam o tom de voz ou os gestos dos candidatos.

Parte dessa mudança comportamental parece estar relacionada ao modo como as escolas, já na educação fundamental, têm enfocado a noção de cidadania e importância do voto. Várias são as instituições de ensino que têm inserido a noção de cidadania como tema transversal a ser utilizado em forma multidisciplinar em espaços profícuos como aulas de história, geografia, filosofia e até mesmo matemática. As escolhas dos representantes de turma – que antes eram uma espécie de ratificação da popularidade de determinados estudantes mais articulados – passou a ser um ritual pragmático e importante, levando em consideração o passado, o teor intelectual e as efetivas propostas que o aluno candidato tem a oferecer a seus eleitores, num evidente exercício de cidadania que os pequenos futuros cidadãos já começam a se acostumar.

É exatamente esse o papel que se espera da nova escola para que se possa trilhar o caminho que o Brasil iniciou a passos tímidos após o regime militar, em busca da consolidação de seu processo democrático, caso contrário, o caminho sombrio é o da perpetuação do sistema vigente por meio da formação de alunos passivos, que se transformarão, no futuro, em eleitores não conscientes, que apenas “depositarão” seus votos sem precedente debate sobre as propostas ou o valor ético dos candidatos que se apresentam.

Nesse sentido, a escola adquire importância fundamental na consolidação da cidadania, no envolvimento da sociedade quanto à participação da vida política brasileira, encontrando nos debates de cunho social, nas abordagens da importância da democracia e do voto já nas séries iniciais, o ponto seminal para um futuro promissor, de cidadãos conscientes do seu papel de protagonistas na construção de um Brasil mais justo.

 

1 Coordenador de Registro de Partidos, Autuação e Distribuição do TSE. Professor universitário e mestrando em Ciência Política.

2 T. S. Marshall, “Citizenship and Social Class”, in Shafir, Gerson (ed.) (1998). The Citizenship Debates – a reader. Minneapolis: University of Minnesota Press, pp. 93-110 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira).

3 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil, o longo caminho. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.