Ministra Cármen Lúcia discursa sobre preconceito contra mulher durante encontro de magistradas

Ministra Cármen Lúcia durante o VII Encontro Ibero-Americano de Magistradas Eleitorais

Durante o VII Encontro Ibero-Americano de Magistradas Eleitorais que teve início nesta quinta-feira (17) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha fez um discurso sobre o preconceito sofrido pelas mulheres em toda a sociedade. Ela foi a primeira mulher a comandar a Justiça Eleitoral brasileira, presidindo o TSE entre 2012 e 2013.

O tema geral de sua conferência foi “Democracia e Igualdade”, com ênfase na questão de gênero. Ela fez distinção da democracia como regime político e também como forma de vida, de respeito à liberdade e de oportunidade para cada indivíduo. “É preciso que a gente, cada vez mais, comece a ter preocupação com a democracia na experiência de vida comum para depois construirmos instituições sólidas nas quais a democracia acontece, se não de uma forma natural, mas que haja eficiência na forma de exercício dos nossos direitos iguais. Digo isso tanto para a liberdade quanto para a ética”, disse a ministra ao destacar que deve-se adotar ética na sociedade, para depois se exigir ética no Estado. “Porque a pessoa não se comportar de maneira honesta na vida e exigir que um agente público não seja corrupto, é no mínimo paradoxal”, disse ela.

Ainda segundo o discurso de Cármen Lúcia, se a sociedade não respeitar os direitos iguais de todos, homens e mulheres, brancos e negros, indígenas e não indígenas e qualquer religião que seja, haverá dificuldade da eficiência da aplicação das leis. “Então, considero a democracia um modo de viver no qual as liberdades são garantidas de tal maneira que as pessoas tenham oportunidade de ser aquilo que querem ser, de acordo com sua vocação”.

Representação no Judiciário

Ao falar sobre a posição da mulher nas carreiras do Poder Judiciário, Cármen Lúcia destacou o maior número de homens nos tribunais, apesar de as mulheres representarem grande parte dos aprovados em concursos de juiz. “Temos grande números de mulheres juízas, mas nos tribunais elas são minoria. Ou seja, na hora da promoção, que ocorre por antiguidade e por merecimento, os homens têm merecido mais. O predomínio é de homens”, enfatizou.

Ela lembrou que somente há poucos anos as mulheres passaram a ser escolhidas para os tribunais superiores, tendo em 2006 a ministra Ellen Gracie assumido pela primeira vez a presidência do STF. Ela lembrou que nunca houve, por exemplo, uma mulher na chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de acordo com a ministra, apesar de 54% dos quase um milhão de advogados brasileiros serem mulheres, nunca tivemos uma mulher à frente do Conselho Federal. “Até há pouco tempo, sequer havia uma mulher na diretoria da OAB”, disse ela ao afirmar que “o discurso vira retórica, uma fala vazia, porque na sociedade não há aceitação, embora tenham leis que garantam isso”, completou.

Maioria também no eleitorado

 Ainda de acordo com dados apresentados pela ministra Cármen, temos mais de 50% do eleitorado brasileiro feminino, enquanto apenas 10% do total de 513 deputados são mulheres, apesar de termos uma legislação brasileira que desde 1996 obriga cada partido a apresentar pelo menos 30% de vagas compostas por mulheres. A questão é que elas se candidatam apenas para cumprir a lei formalmente, mas não se dá a elas condições de financiamento de campanha ou tempo de televisão para fazer propaganda. “Os partidos não escolhem mulheres que disputam verdadeiramente, mas apenas pra fazer figuração e nada mais”, observou.

“Temos uma sociedade machista e há um preconceito enorme contra mulheres”, disse ela ao destacar que não é porque é juíza do Supremo que não sofre preconceito. “Podem não falar, mas o preconceito passa pelo olhar, pelo gesto, pela brincadeira, pela desmoralização, pela piada”, explicou.

A ministra Cármen Lúcia também lembrou que no Itamaraty há uma enorme reclamação de mulheres que não chegam ao cargo de embaixador nas mesmas condições do homem. “Sem contar outros dados como assédio moral, assédio sexual e que muitas vezes não é revelado porque há uma luta para chegar a uma posição de igualdade no mercado de trabalho”.

Sobre a luta da mulher para se destacar na carreira, a ministra fez um relato pessoal:

“Quando eu era menina, questionava minha mãe porque estudava muito mais e meu irmão sempre recebia mais medalhas. Ela dizia: não reclama porque você é mulher e ainda é de uma geração que vai ter que trabalhar duas vezes pra chegar ao mesmo lugar. Estou com 60 anos e tenho que trabalhar duas vezes pra chegar ao mesmo lugar dos homens. Mas eu não reclamo porque eu quero que, quem vier depois de mim, tenha certeza de que trabalhei sim e com muito gosto porque sou de um país em que posso escolher a minha profissão, e tive a oportunidade de ser juíza constitucional porque trabalho com todo gosto. Demorei um tempo para descobrir porque minha mãe fez com que meus irmãos homens aprendessem violão e nós, as meninas, íamos para o piano. É que o piano você toca em casa, não vai ter a tentação de colocar o violão embaixo do braço e ir pra rua. Então, aguarda visita em casa e fica arrumadinha pra se apresentar. Demorei um tempo até resolver que mesmo sem saber tocar um violão, eu teria um em casa pra ter o gosto de colocar embaixo do braço e sair pra vida. Isso tudo constrói uma sociedade na qual o machismo segue como se fosse algo natural”.

Luta comum

Em sua opinião, vai ser necessário que a mulher trabalhe muito mais, pois quanto mais chegarem a cargos públicos a sociedade vai se acostumando com a presença delas. “Há uma sobrecarga de trabalhos da mulher que faz com que a dupla jornada seja um dado imenso, principalmente na América Latina. A mulher trabalha, chega em casa e tem que fazer trabalho de novo. Não há divisão de tarefas domésticas”, lembrou.

Na visão da ministra, essa é uma mudança que virá culturalmente. “A nós compete fazer com que isso fique estampado, escancarado, este dado precisa mudar. Portanto, a democracia na sociedade com base na igualdade de gênero precisa acontecer e temos que lutar por isso, porque há mulheres que sofrem muito mais do que todas nós aqui”, afirmou.

Por fim, a ministra destacou sem igualdade não haverá uma sociedade democrática. “Não há uma sociedade que prevaleça a ideia de justiça na qual alguém tenha que se acanhar, se calar e deixar de ser o que ela é para não sofrer consequências psíquicas, funcionais, sociais e até físicas. E isso só mudará com a mudança da sociedade que se passa pela política. O compromisso de nós, mulheres que tivemos mais oportunidade que as outras, que muitas vezes continua com a voz na garganta sem poder soltá-la por absoluta impossibilidade de ter um outro caminho,  juntas sejamos capazes de fazer a igualação de homens e mulheres. Juntas somos mais”.

CM/ RC

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